Ruth Guimarães
Em Suzano, é uso fazer-se um campeonato de mentiras. Disputa renhida, muitos concorrentes. As narrações são feitas em público, evidentemente um público especial, exigente, composto de narradores tarimbados, habituados a contar e a usar o desfecho de efeito, quando irrompem as risadas e as aclamações. Quem não for mesmo bom não vai lá, que os ouvintes são impiedosos e não se lhes dá de tangerem dali para fora, corrido, envergonhado, o contador de histórias mal alinhavadas. Tolerância é coisa de que não entendem. O recinto fica pesado de fumaça dos cigarros. Ocorre um silêncio intermitente, por tabela, enquanto um fala, silêncio despedaçado, ao fim de cada caso, às gargalhadas. Não é de admirar que, à medida que o tempo passa, seja atraído um maior numero de concorrentes, narradores pertencentes àquela imensa família de contadores de histórias, existentes em todos os povos de tradição milenária, povos velhos e de imaginação rica, árabes de feições aduncas e olhos ardentes – o povo das mil e uma noites -, russos de barbas longas, indianos com seus turbantes e sua fantasia, e chineses, e esses brasileiros caboclos dentre os quais saíram um Joaquim Bentinho de Cornélio Pires e um Romualdo, de Simões Lopes Neto.
O que há de notável em Suzano é que se trata de reunião espontânea, não motivada pela pinga, nem organizada por entidades ou por uma pessoa interessada. Os mentirosos se reúnem, é o bastante. Eles próprios são os juizes, resolvendo por decisão da maioria. Uma casa comercial – este ano foi a bicicletaria do Muneo Habu – dá a taça. E esta é outorgada com todas as honras e exposta durante algum tempo numa vitrine, com o nome do vencedor em destaque. Compadre Perico já foi vencedor, vencendo na concorrência João Nomoi, também chamado João Japonês, apesar de que este, como já contei, saía para pescar tilápia no Tiête e pesca pintassilgo, com anzol. Na hora de puxar a linha, passarim no ar, engoliu lambari com anzol e tudo. No outro ano foi Davi, da cantina do ginásio do Estado, e um certo André de tal se sagrou campeão várias vezes seguidas. Contou ele que certa vez foi caçar e, estando com a espingarda carregada com chumbo grosso, e encontrando em vez de caça maior, uma árvore estrelada de passarinho, até no último galho, resolveu usar de um truque. Arrumou um serrote, serrou devagarinho, pôs a árvore no ombro, com o passaredo cantando alegremente e se foi. Porém, ao entrar em casa, sem querer bateu na esquadria da porta e prrrrrr! Passarinhada se arrancou. E sei de uma pessoa que, como estivesse presente, resolveu contar também uns casos. Ora se deu que, da maneira mais inesperada, decidiram entregar-lhe a taça. E foi um caro custo convencê-los de que apesar de ser uma conquista gloriosa, não valia a pena tirar a taça das mãos dos concorrentes costumeiros, que este ano não ficava bem pôr o meu nome numa taça, em vitrine, o que dirão meus alunos, e blá-blá-blá, uf, não foi fácil sair desta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário