Ruth
Guimarães
Dadas
as circunstâncias e a poderosa tecnologia ao alcance de todos, que nos poupa de
trabalho e nos enriquece de tempo, viver seria bem melhor, não fosse a natureza
mesquinha do homem. E como se trata de oração semiótica, conviria concluir,
para maior clareza: Atualmente, viver é bem melhor do que quando? Posto que há
boas e más épocas e até se diz que houve uma Idade de Ouro. E já se ouviu falar, ou é exagero? num
Paraíso Terrestre.
Um
maloqueiro na Favela do Esqueleto, o caiçara nas palafitas, sobre os mangues,
os párias dos alagados, os cules, os negros não só de Biafra, vivem menos bem
do que a ralé no tempo de Dom João VI. Havia a escravidão, mas que nome se dará ao inferno que foram os campos
de concentração?
O
que está acontecendo é uma curiosa inversão. Estamos tentando resolver
problemas que não tínhamos. Estamos criando complicações para depois
solucioná-las. Subir dez andares a pé é
muito penoso. Então, depois do
arranha-céu, criou-se o elevador.
Parece
que é uma arte perdida, a arte de viver. O que é viver? Como viver? Vivemos
melhor do que Sócrates? Que Jesus? Que Quintiliano? Que a gente Cláudia? Viver
é ganhar milhões, não importa como? Ter um apartamento no Morumbi? Fazer a
volta ao mundo? Não é viver tomar da escudela, da túnica e do cajado, e sair
pregando a palavra divina? A irmã Teresa de Calcutá não sabia viver?
Se
em todas as épocas é maior a diferença entre um rei e um pária, entre um
Antônio Ermírio de Morais e um proletário, entre um inglês de casaca e um
americano do Bronx, do que um felá do templo e um francês de Montmartre, então
vamos saber se viver é melhor aqui do que lá?
Mas
há outra incógnita contida na proposição: Viver atualmente é melhor para quem?
Também
não nos é dado pontificar sobre o que ignoramos e parece que é uma arte perdida
a arte de viver.
Para
a mulher é bem melhor estar na Faculdade, trelendo, do que em casa, no tanque,
lavando roupa. Mas alguém estará no
tanque, lavando roupa. Milhões não terão
máquinas de lavar pratos, nem geladeiras, nem automóveis, nem conhecem livros,
nem caviar; não têm a felicidade de ver os artistas na televisão, as novelas,
os bailados, o Lula, as guerras internacionais.
Não poderão lavar com Omo, nem dormirão em colchões de mola. Nem jamais experimentarão a maciez do vison,
nem se deitarão no sofá do psicanalista, atividade excelente para se comentar
no Clube.
Atualmente
todos cultivam os dons do espírito? Existe realmente a solidariedade? A
humanidade caminha para a concórdia e a paz?
Então
a vida está perfeita. Que os longos dias
sejam iguais aos melhores e iguais entre si, para os séculos dos séculos.
Que
assim seja.
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