sexta-feira, 26 de abril de 2013

Atualmente, viver é bem melhor


Ruth Guimarães

Dadas as circunstâncias e a poderosa tecnologia ao alcance de todos, que nos poupa de trabalho e nos enriquece de tempo, viver seria bem melhor, não fosse a natureza mesquinha do homem. E como se trata de oração semiótica, conviria concluir, para maior clareza: Atualmente, viver é bem melhor do que quando? Posto que há boas e más épocas e até se diz que houve uma Idade de Ouro.  E já se ouviu falar, ou é exagero? num Paraíso Terrestre.

Um maloqueiro na Favela do Esqueleto, o caiçara nas palafitas, sobre os mangues, os párias dos alagados, os cules, os negros não só de Biafra, vivem menos bem do que a ralé no tempo de Dom João VI. Havia a escravidão, mas que nome se dará ao inferno que foram os campos de concentração?

O que está acontecendo é uma curiosa inversão. Estamos tentando resolver problemas que não tínhamos. Estamos criando complicações para depois solucioná-las. Subir dez andares a pé é muito penoso.  Então, depois do arranha-céu, criou-se o elevador.

Parece que é uma arte perdida, a arte de viver. O que é viver? Como viver? Vivemos melhor do que Sócrates? Que Jesus? Que Quintiliano? Que a gente Cláudia? Viver é ganhar milhões, não importa como? Ter um apartamento no Morumbi? Fazer a volta ao mundo? Não é viver tomar da escudela, da túnica e do cajado, e sair pregando a palavra divina? A irmã Teresa de Calcutá não sabia viver?

Se em todas as épocas é maior a diferença entre um rei e um pária, entre um Antônio Ermírio de Morais e um proletário, entre um inglês de casaca e um americano do Bronx, do que um felá do templo e um francês de Montmartre, então vamos saber se viver é melhor aqui do que lá?

Mas há outra incógnita contida na proposição: Viver atualmente é melhor para quem?

Também não nos é dado pontificar sobre o que ignoramos e parece que é uma arte perdida a arte de viver.

Para a mulher é bem melhor estar na Faculdade, trelendo, do que em casa, no tanque, lavando roupa.  Mas alguém estará no tanque, lavando roupa.  Milhões não terão máquinas de lavar pratos, nem geladeiras, nem automóveis, nem conhecem livros, nem caviar; não têm a felicidade de ver os artistas na televisão, as novelas, os bailados, o Lula, as guerras internacionais.  Não poderão lavar com Omo, nem dormirão em colchões de mola.  Nem jamais experimentarão a maciez do vison, nem se deitarão no sofá do psicanalista, atividade excelente para se comentar no Clube.

Atualmente todos cultivam os dons do espírito? Existe realmente a solidariedade? A humanidade caminha para a concórdia e a paz?

Então a vida está perfeita.  Que os longos dias sejam iguais aos melhores e iguais entre si, para os séculos dos séculos.

Que assim seja.

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