quinta-feira, 25 de abril de 2013

Aleluia


Ruth Guimarães

Botelho Netto
Foto de Botelho Netto
Todos nós sabemos que a igreja é a maior de todas as forças conservadoras. Pois ainda é menos conservadora do que o povo. Assim é que, enquanto ela aceita e modifica uma série de coisas, o povo ainda se empedra em tradições não raro milenares, não raro absurdas, pois perderam há muito tempo sua razão de ser – porém atuantes, receitas de vida para uma parte sensível da multidão, e válidas, como nada mais poderia fazê-las a não ser o tempo. Assim a ausência do hábito nos religiosos, trocado por roupa mais cômoda, que o próprio religioso considera útil e funcional, facilitando-lhes em muito a tarefa, é raro alguém aceitar isso com naturalidade. As mulheres, vestais dessas tradições, são as que mais protestam. As freiras resistem mais que os padres e ainda as vemos e as veremos por muito tempo levando com graça e dignidade os seus trajes tão lindos, mas tão inadequados. A missa em português encontra fortes opositores que não sabem sequer porque se opõem. Como resistem sem um motivo apresentável a qualquer alteração repentina às descobertas da ciência, às injeções, ao tratamento pré-natal, ao exame pré-nupcial, à vitória do Corinthians sobre o Santos, e a outras atualizações necessárias. Até a mudança de hora do relógio, uma hora só, que nem altera nada à ordem das coisas, é motivo de ataque. Uma das coisas que mais mereceu desaprovação do povo foi a mudança do sábado de aleluia para o domingo da ressurreição, embora em certa época deva ter havido alteração contrária, isto é, o domingo de ressurreição passou a começar no sábado ao meio-dia. Na capital essas comemorações há muito inexistem. Nos bairros há ainda um ou outro Judas malhado entre muitos gritos e algazarra muita. Mas era no interior que se faziam as, digamos, comemorações, com malhação de Judas, e molecada na rua pedindo aleluia. No sábado. Nove horas, primeiro o toque dos sinos, que jamais se fazia alguma coisa sem o bimbalhar festivo. E o toque da sirena das fabriquinhas, do apito das máquinas, das buzinas, de latas batendo, e a meninada pobre aos magotes pelas ruas, parando nas casas onde se lhe atiravam amendoim, pinhão, dinheiro, balas. Nas casas onde não lhe jogavam nada explodia um alarido, aos gritos de: Muquirana! Muquirana! Pão duro! Pão duro! E assim ia a festa pelo dia a fora, aleluia!

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