quinta-feira, 25 de abril de 2013

A poesia dos presépios

Ruth Guimarães 

Eles chegarão depois de amanhã, montados nos camelos de longo pescoço, meditativos, como todos os ruminantes. Não despertarão muita comoção, eis que somente as crianças têm olhos de ver maravilhas, porém não são as crianças que a TV já imunizou de espantos. 

Naquela primeira viagem, há dois mil anos, Herodes, tetrarca da Galiléia, assistia em Jerusalém. E os magos, em número de três, - diz que um era negro – foram procurá-lo: “Onde está o rei dos judeus, que acabou de nascer? Vimos sua estrela e viemos adorá-lo”. Pois aqueles homens sábios, de imenso poder mágico, andaram liricamente seguindo uma estrela. Herodes se perturbou, convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, indagando onde devia nascer o Enviado. Responderam que em Belém de Judéia. Tinha sido profetizado assim: “Ide”, – falou maciamente o tetrarca. – “Depois que o houverdes achado, vinde me dizer, para eu adorá-lo também”. Desta vez, eles não se dirigirão ao palácio de Herodes. Ficarão pelos presépios que as prefeituras houverem por bem mandar armar por aí. Pararão na Praça da Sé, pasmados do movimento, do ar sério e infeliz do povo. Com o auxílio do anjo, decifrarão as manchetes dos jornais e pasmarão muito mais, então. Ou talvez cheguem até os presépios de dona Lurdes Milliet, entre os quais está aquela deliciosa expressão de arte popular renascentista, trazida de Nápoles por Francisco Matarazzo, há décadas. 

O povo, que é criança e poeta, ama os presépios. Um santo, criança e poeta, teve por primeiro a idéia de os armar. Conta-se que um certo messer João Vellita, amigo de São Francisco, fizera-lhe presente de uns rochedos, na Porciúncula. No ano de 1223, a festa do Natal foi tão linda como nunca. Irmão Francisco mandara chamar Messer Vellita: “Desejo celebrar contigo a noite santa. Há uma gruta entre os rochedos que nos deste. Manda colocar lá dentro a manjedoura cheia de feno, um boi e um burro. Quero ver ao menos uma vez, com os meus próprios olhos, quanto quis o Filho de Deus nascer pobre e miserável”.

Botelho Netto
Foto de Botelho Netto

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