Ruth Guimarães
A mãe pobre foi mãe de um poeta: Paulo Setúbal, este que era uma cigarra cantadeira, que se finou cedo e foi talvez o mais impetuoso, o mais entusiasta e um dos mais líricos poetas brasileiros.
Maria Teresa, a mãe pobre, ficou viúva quando o filho, o que seria poeta, estava com quatro anos.
A família vivia antes na abundância. No entanto, ao morrer-lhe o chefe, depois de terminado o moroso inventário e liquidados os negócios, restou apenas com que viver pobremente. O filho poeta diria mais tarde, numa consagração comovedora: “Mas minha mãe era mulher que não tinha medo da vida. Que corajosa e brava era!” Passou do muito farto para o muito escasso com belo destemor. Para que os filhos estudassem, vendeu o pouco que lhe restava, juntou o dinheirinho que pôde e, pondo nas mãos de Deus o seu destino de viúva, “lá veio, só com a coragem, a batalhar em prol dos filhos, nesta dura cidade de São Paulo, que é a mais dura, a mais fria, a mais materialista de todas as cidades do Brasil.”
Essa mulher pobre, essa viúva, mãe de uma ninhada de filhos, tinha os parentes situados altamente na vida, na largueza e no luxo. Mas nunca, acossada pelas necessidades mais mesquinhas, lhes foi bater à porta dourada. Às vezes alguma das orgulhosas matronas, com nomes arrolados no Taques e no Silva Leme, aparecia de carro, vestida de seda e gorgorões, enfeitada com cadeias de ouro, para visitar a prima pobre. E quando ela partia, a viúva que nada solicitara, que mantivera a boca lindamente fechada sobre as suas queixas, voltava ao trabalho. Cozinhava, lavava roupa, esfregava o assoalho. Costurava até altas horas, pela noite morta. Poupava as migalhas, regateava nas feiras, apagava as luzes cedo, economizava o quanto podia.
Dizia o poeta que tudo quanto tinha conseguido em toda a sua vida foi porque, certamente, Deus tinha tido piedade dele e porque havia na terra uma ignorada velhinha rezadeira e corcovada, que passava horas a fio diante do oratório do seu quarto, a suplicar com a calorosa simpleza de sua fé, pelo filho, pelos filhos.
Chegou para a mãe pobre a hora da exaltação. Ela viveu quanto bastasse para que numa noite, a mais fulgurante da sua vida, vestido no solene fardão verde de acadêmico, diante de tudo quanto se estadeava de mais alto, de mais rico, na inteligência do país, em plena Academia Brasileira de Letras, Paulo Setúbal clamasse:
“Deixai que o meu coração fuja daqui, penetre de manso numa casa modesta de bairro sem luxo, entre no quarto do oratório, ajoelhe-se diante da velha branquinha, beije-lhe as mãos, e na brilhante noite engalanada deste triunfo, diga-lhe por entre lágrimas:
- Minha mãe, Deus lhe pague!”
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