Ruth Guimarães
Suponhamos, só para conversar, que você, jovem, perca hoje o seu ninho. Não que seus pais morram, derrepentemente, ou que desapareçam no mistério da noite. Ou que amaldiçoem você, com aquelas suculentas maldições que se encontram nos livros, começadas no dedão do pé, artelho a artelho, e sobem até o último fio de cabelo. Nada tão dramático assim. Apenas o velho foi removido para o Ceará, vai instalar por lá uma filial do Banco, e sua mãe o acompanha. As crianças também vão.
Mas você não quer ir. Tem a namoradinha e, demais, declarou que não irá. O velho falou grosso que não vai sustentar casa lá, numa cidade desconhecida e portanto imprevisível, e mais o fedelho aqui, numa república qualquer de estudantes. Meu dinheiro não chega para essas cavalarias. Você já disse que vai ficar e não voltará atrás. Além disso aqui mora a Cíntia, tão certinha, tão doce! E as colegas de faculdade, esportivas, companheironas, gostosas! Não, eu não vou me enfiar numa capital do nordeste só para satisfazer meu pai.
E agora, José? E agora você? Sozinho no escuro, qual bicho do mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto, você marcha. José, para onde?
Então, o que você vai fazer? É claro, vai pedir arrego.
“Ah! Eu tenho a tia Ritinha. Os filhos estão casados, deve algumas obrigações ao meu pai. Quando o marido perdeu o emprego... acho que dinheiro emprestado... Recomendações aos amigos.
Também tem o Marcelo. Pais separados. Mora com o avô e a avó. Casa espaçosa.
E tem a madrinha Luzia. Sempre me deu bons presentes. Numa hora dessas... Meu padrinho é meio esquisitão mas quem manda lá é a mulher.
E tem o tio Alfredo, mas onde será que ele mora?”
Você vai procurar toda essa gente que nunca visitou? Vai descobrir que a tia Ritinha não é assim tão maternal quanto parecia, nem o Marcelo tão legal. A madrinha Luzia, se era generosa, não é mais. Tio Alfredo, o que se diz solteirão, mora no subúrbio, numa casinhola, onde mal cabem ele mais a mulher, escanifrada, feia como o diabo, e uma récua de filhos.
Você é independente, ô cara. Você faz o que muito bem entende.
Já lhe passou pela cabeça voltar para a casa do papai e da mamãe? Família é outra coisa. Amor de mãe é um leito muito macio. A saudade mata a gente, morena!
Ou vai procurar um emprego, batalhar, se manter, estudar à noite?
Isso é coisa de peão... diz você.
Mas até posso falar com o cunhado da tia Ritinha, que é desembargador...
Os amigos do meu pai...
O primo da minha mãe, que é um chato, mas empresário...
E concurso, não vai fazer não. Você é independente, ô cara!
(E agora, José?)
Nenhum comentário:
Postar um comentário