Ruth Guimarães
A mais bela e a mais lírica das escolas que já conheci fica no bairro do Camburi, em São Sebastião, a meia encosta, justamente onde se inicia, escurona, selvagem, perfumosa, a mata nativa da Serra do Mar.
Quem a vê, pensa que é antiga. Não é. Já nasceu sem idade. É de agora, mas é de sempre. Guarda tal harmonia com a paisagem que é como se tivesse ali surgido, sempre e jamais, flor, casa do homem, ninho, fonte límpida, de água clara, cantante, de que a gente se abeira sem nunca perguntar de onde vem. É como se de repente, na falda do monte, ela houvesse nascido.
As outras escolas são bonitas, algumas muito lindas mesmo. A que é bela, natural, sem idade, é só essa.
As outras, os engenheiros traçaram com régua e compasso, os mestres pedreiros e os mestres canteiros as ergueram usando colher de aço, nível, cimento, fio de prumo.
Essa deslizou vagarenta da mãe natureza e se aninhou junto à serra, encostada às suas árvores.
As outras foram construídas por mão hábil de gente acostumada ao seu ofício. O pai delas estudou muito bem estudada a teoria do equilíbrio, dos quanta e das proporções.
Dessa, o pai foi algum caiçara, comedor de siri, à vontade nos matos e nas trilhas, conhecedor do seu mundo virente. Alisou as paredes com, quem sabe? uma plaina raspada com faquinha de quicé.
Teve mãe? Teve. Uma caiçara também, que carregou água límpida da mina brotada no morro, para fazer o barro. Teve mãe. A mulher que amassou o barro com os pés.
As outras tiveram iniciação de muita lordeza. Inauguração com banda de música, pedra fundamental, vigas de concreto, vergalhões de ferro, guarnições de aço inoxidável.
Essa é uma armação a pau a pique, de cana-fístula, de caixeta dos mangues, de bambu, de qualquer anônimo pau de flor. O resto é somente barro, esse mesmo barro de que nós todos viemos, por nosso pai Adão.
As outras são imponentes em suas retas agressivas, em sua imposição. Violentam, cinzentas, os azuis e os verdes, o dourado do sol, o esmaecido da noite enluarada, o chão onde estacam, instalando a sua novidade provisória nesse mundo tão de sempre.
Mas essa é uma continuação do homem. Daí a sua quente humanidade. Por isso descansa o olhar que a contempla. Ela, a incomparável.
Jamais eu me atreveria a perguntar onde fica a Escola do Camburi. Porque ela não fica nem sequer está. Ela é. É o fim do morro e o princípio da mata, como lá diz um poeta popular, letrista de canções e de sambas. Ela é o fim de um caminho, mas os começos de um homem.
Encostada à rampa, com seu jeito suave, abre as portas para a vida, como uma flor desabrochada.
Quando, diante dela, a bandeira do Brasil tremula, e lá dentro vozes de criança gorjeiam hinos, ela pode murmurar, profundamente, verdadeiramente: “Aqui tem brasileiro, gente!”
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