Macaco Jurupixuna, da boca preta, não tinha casa. Quando vinha a tempestade, ele ficava tiritando de frio, encolhido nos galhos, procurando abrigar-se sob as folhas mais largas das seringueiras ou das palmas. Não adiantava muito. O abrigo era precário. E ficava pior quando a chuva era das miúdas, criadeiras, e durava dias e dias. Macaco Jurupixuna ficava tão encharcado e percorrido de tremores que pouco lhe sobrava de vontade de viver. Mal se arrastava, agarrando-se aos ramos.
Parado, o rabo se pendurava escorrido, sem nada da rosca atrevida dos belos dias. Pulos, não dava, que as forças se iam em arrepios. Nesses dias, juntava-se aos outros macaquinhos, igualmente imprevidentes, e todos se lamuriavam em compridos clamores.
- Nós não temos sorte - bradavam eles, enquanto animais de outras espécies, enovelados e quentinhos nas suas tocas, espiavam para fora, curiosos.
- Ninguém dá um cantinho pra gente ficar... - emendava um do bando, cuspindo um talinho mastigado.
- Estando "eles" no quente, pouco se importam que os outros se molhem e até morram de friagem.
- Que lhes custava chegarem um pouquinho pra lá? - indagavam, continuando a litania.
- Gente egoísta, cada um nas suas casas, nem se lembra de pobre gente sem abrigo.
- Não se lembra! - entoavam os macacos em coro.
- Não podemos! - gritavam os animais. - Não temos espaço. O que ocupamos dá só para a família.
- Não querem, é o que é. Com boa vontade sempre se daria um jeito.
- Por que vocês não fazem casa, como nós fizemos?
- Façam casa! - gritaram todos ameaçadoramente, e, com isso, a capela dos monos lamurientos voltou às boas maneiras.
- É uma ideia - responderam cortesmente, sacudindo as cabeças onde se empastavam os pêlos. - É uma ideia. Amanhã vamos fazer a nossa casa.
Até que a chuva passava.
Aparecia um sol radioso, as aves desferiam cânticos de hosana ao Criador, os animais sacudiam os membros entorpecidos e vinham para os caminhos. Os macacos de boca preta, esquecidos de seus bons propósitos, se danavam aos pinchos, casquinando gargalhadas, catando piolhos, e fazendo as mais ousadas acrobacias nos galhos. Quando se sentavam e confabulavam, aos berros, o rabo fazia um ponto de interrogação atrevido. Uns catavam coquinhos, outros descascavam bananas. A vida se transformava numa festa contínua. O sol esquentava e eles, à sombra, tiravam deliciosas sonecas. Nada lhes faltava. O alimento se pendurava, rico e dourado, nos galhos pesados de frutos. A temperatura era amena, a vida doce. Da bicharada toda, os mais festivos eram os macacos.
- Vocês não vão fazer casa? - gritavam os animais.
- Amanhã! - secundavam os macacos, entusiasmados.
- Amanhã!
E vá de pular, de comer, de se coçar.
- Amanhã! Amanhã! Amanhã!
Até que vinha novamente a estação chuvosa, e eles, encolhidos, morrendo de frio.
- E a casa, macaco?
- Amanhã! - respondiam eles.
E até hoje, Macaco Jurupixuna mora no tempo, porque não fez casa.
Imagem de Olavo Botelho
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