Regina Helena Paiva Ramos
Tinha pouco mais de vinte anos e ela teria talvez trinta e alguma coisa. Era muito conhecida. Jornalista, folclorista, escritora. Um jeito suave. Olhos que brilhavam. Simpatia de pessoa. Pontificava nos suplementos literários: poesia, crônicas, entrevistas. Seu romance “Água Funda já tinha sido publicado, com prefácio de Antônio Cândido. Eu tinha lido, gostara muito. Acabei trocando cartas com ela. Entrevistei-a para A Gazeta. Um dia fui visita-la em Cachoeira Paulista. Lembro pouco dessa visita. Mas recordo, no portão, o sorriso branco e doce no rosto negro. Ruth Guimarães é o nome dessa mulher.
Neste Brasil de pouca cultura e de leitores escassos Ruth Guimarães – que devia ter seu nome no mesmo patamar de Guimarães Rosa ou João Ubaldo Ribeiro (sua literatura tem peso e brilhantismo!) é pouco conhecida. Apesar de ter sido da Academia Paulista de Letras.
Quem quiser conhece-la vai ter, agora, boa oportunidade: seu filho, Joaquim Maria Botelho – também escritor dos bons – produziu um estudo crítico excelente sobre Ruth e está em tratativas com uma editora para relançar “Água Funda”.
No seu estudo, transcreve uma carta que recebi de Ruth em 1956 e que guardei anos e anos e anos com amor e muito carinho.
Ele diz:
“Recebeu um dia uma carta da então jovem jornalista Regina Helena de Paiva Ramos, que depois faria carreira em grandes veículos da imprensa e também na literatura e no teatro, como dramaturga. Regina não se lembra exatamente do que escreveu para Ruth, mas exibe com orgulho a carta que recebeu em retorno, escrita em letra cursiva caprichada, em papel especial. A carta, que reproduzimos a seguir, mostra que Ruth aprendeu a lição dada por Mário de Andrade: se alguém bater à sua porta, não consinta que o faça em vão.
Cachoeira Paulista, 30-VI-1956
Querida Regina Helena:
Sua carta foi a mais linda e a mais consoladora das surpresas. Você que escreve deve saber quanto se debate o escritor, sem ressonância, sem estímulo. Escreve-se e parece que se o fez para um deserto, ou pior, diante de um paredão de pedra e silêncio. É como se nadássemos num rio de óleo negro, ao longo de muralhas. Um grito nos é devolvido, tal qual foi dado. Como disse o Pequeno Príncipe, de Saint Exupéry, quando veio à terra e conheceu em primeiro lugar o deserto: “Este planeta é todo seco, pontudo e salgado”. Ninguém fala bem e ninguém fala mal. Nem adianta ir como Santo Antônio, pregar aos peixes, pois a nossa pregação é escrita e aqui nem gente sabe ler, quanto mais os peixes.
Mas quem disse que eu não a conheço?
Aos sábados, na página feminina, você fulge como uma joia. De há muito leio com gosto as suas crônicas, não somente sociais, mas sociológicas, abordando assuntos de real interesse, com uma compassiva ternura. Eu nem a filiaria à crônica social, mas à crônica “tout court. Aquela de uma Eneida, funcional, combatente, à de uma Raquel, à de um Rubem Braga. Você ainda não tem segurança no “métier”, nem a serenidade deles (nem a idade). É impetuosa, apaixonada, contraditória, atirando-se contra moinhos de vento, com esses belos impulsos da extrema juventude. Mas você lhes tem o espírito e é o que vale. Técnica é coisa que se adquire. Que as fadas lhe preservem essa loucura do bem, Regina Helena!
Sua carta me fez ver que não estou nadando em óleo negro, nem gritando diante de paredões de pedra e silêncio, nem me batendo contra ridículas trincheiras de travesseiros de paina. Deus lhe pague!
Um grande abraço
Ruth Guimarães “
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