Era dia de Finados, isto é, dia de festas dos vivos na Casa dos Mortos. O piquenique no cemitério tinha começado há muito, conforme indicavam os vários carrinhos de pipoca, amendoim torrado, arroz japonês, cachorro quente, doce de leite e cocada, na porta do Campo-Santo, e os papéis engordurados de sanduíche esparramados pelo chão; e os namorados abraçados; e outros indícios igualmente confortantes. O comércio de artigos pertinentes corria paralelo: flores, muitas! Lindas! Um toque de poesia no banalismo das visitas convencionais. Ramos cheirosos arrumados de alecrim, de manjericão. Bambuzinhos trêmulos. Valdemar Feio que, como nome está dizendo, é inteligente e vivo como o quê, postou-se junto dos degraus da escada, à esquerda do portão, onde está escrito em letras enormes: A MORTE É O COMEÇO DA VIDA ETERNA (como se isso fosse um grande consolo).
Vardemá Feio iniciou assim o pregão da sua mercadoria:
- Velas! Velas! Velas a cem! Vai a vela! Ver para crer. Ninguém vende mais barato. É aqui, não lá!...
Fazia umas piruetas e recomeçava o clamoroso pregão:
- É aqui, não é lá! Vela a cem!...
Do outro lado do portão, ou seja, à direita, estava um velho robusto, alto, cor-de-tijolo no rosto, branquinho de cabelos.]
- Conhece? – perguntaram-me. É o velho Morgado.
Velho Morgado tinha na frente um tabuleiro com maços de velas e limitava-se a entoar uma espécie de melopéia:
- Vela a cinquenta! Vela a cinquenta!...
Gente parava meio admirada, um toque de indecisão, ria-se e ia em alegre procissão comprar velas do que gritava menos, mas vendia pela metade do preço.
O rapaz, a berrar destemperadamente, numa algazarra formidável, sem vender coisa alguma, não via? Não ouvia? Era até engraçado. Até que um amigo não se conteve:
- Mas, ô Vardemá, você é burro, hein?!
- Ué! Eu? Burro? Por quê?
- Pois você não está vendo que, com essa propaganda toda, chama a freguesia é pr’aquele que está do lado de lá? Ele vende tudo e você... E você, homem?
Valdemar envesgou um olhar para o lado, olhar displicente de “nem te ligo”. E, num tom de tirada à parte, dessas de teatro de bairro:
- É q’aquele que você está vendo ali é meu pai.
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