Ruth Guimarães
Viam-no passar todos os dias. Alto, grandalhão, membrudo, com um andar meio desarticulado, ao mesmo tempo pesado e macio, de ponta de pé apoiada completa no chão. Vinha à frente da turma de educação física, de manhãzinha, logo depois que o toque de alvorada punha notas álacres no dia nascente. Torsos nus, arrepiados de frio, queimados de sol. Quando a turma passava de volta, o instrutor zombava do cansaço deles, com um riso bem seu, apenas um franzir dos lábios finos:
- Oceis de atletas só têm o cheiro...
O outro era o contrário. Baixo, magrinho, olhos miúdos, pisca-piscante. Olhava tão de fito o pobre do recruta, que o infeliz perdia completamente as estribeiras. Era severo, rigorista, impertinente. Preocupava-se com pormenores. Diziam que passava o lenço nos fuzis dos comandados, para ver se estavam bem limpos.
- Olha o alinhamento!
E a chamada começou. Quando havia um faltoso, quase toda a companhia respondia “Ausente”. E o instrutor impaciente berrava na sua voz esganiçada:
- Já tô cansado de avisá que quem tá ausente não precisa respondê!...
Um outro, quando dava instrução de equitação, o regimento era de cavalaria, talvez em Pirassununga, então era um descalabro.
Recruta que nunca tinha visto um cavalo de perto, tinha de virar centauro. O instrutor exigia prodígios. Camarada que tirasse um ano sob as ordens dele, podia dar baixa e ir diretamente para um circo. E não eram quedas de brincadeira. Cavalos em disparada, muito altos, nervosos, excitados pelos berros do sargento, iam pelo pátio aos pinotes, resfolegando, até que atiravam ao chão, aberto em gretas, ressecado, mais duro que concreto, o peão improvisado.
E o sargento gritava:
- Eu não mandei descer, molóide!
Não vamos falar de um baixinho, gordo, barbudo, retaco, desabrido na fala, ignaro e feliz por ser ignaro. Esse não fez nada, porque não sabe de nada.
Perdoai-lhe Senhor, que ele não sabe o que faz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário