Ruth Guimarães
(E não é que encontrei o Paraíso Perdido?)
Aconteceu na escolinha rural, de regime anexado, ciclo de aprendizado do 1o. ao 3o. ano, meninos, meninas, alguns muito pequenos, adolescentes entre 14 e 17 anos, tudo misturado. Muitos de mãos calosas de enxada. E eu, que lá estive dos 4 aos 7 anos. E Vitória, a minha pajem e colega, uma negrona de cara de cavalo, comprida, uma dentaiada branca na cara preta. Vitória que eu sempre achei tão linda quanto era linda a minha mãe. Tinha 16 anos.
Essa a escolinha jamais esquecida. Pequena, caiada, uma escadinha de oito ou dez degraus, quintal de terra vermelha, socada em rampa, nem um fio de mato, nem uma árvore.
Não sei de onde surgiu uma conversa de que na Fazenda Assombrada, um chão abandonado no fim do mundo, as goiabeiras estavam arreando de fartura e jabuticaba dava até na raiz das fruteiras.
Quando se comentou essa coisa miraculosa, a criançada queria ir à tal fazenda. A gente vai lá. Não tem ninguém tomando conta. Não é muito longe.
Devo ter mentido um bocado. Contei que tinha ido lá. A meninada fazia comentários os mais esquisitos sobre o passeio, excursão, viagem, sonho. E porque todos falavam, eu me calei, meio sobressaltada. Porque, não sei como, eu estava mergulhada até os cabelos nessa história. Pois eu não sei realmente como foi. Chamei os miúdos, do meu tamanho, e todos me seguiram. E de repente, quem nos levou? Estávamos num lugar perdido na distância, entre árvores pinhocadas de frutos negros, desde o começo, desde o chão de raízes crispadas, até no último galho, espetado no céu. Nenhuma preocupação, nenhum temor. Havia sol, os verdes se derramavam tranqüilos acima do solo, fruta madura, algazarra. De algum modo, não sei como, eu tinha feito aquela romaria.
Começou a escurecer e todos me rodeavam. Está na hora de voltar. Vamos embora. Vamos embora. Vamos embora. E então principiou aquele choro de criança, que parece não ter motivo nem fim. Vamos embora. Eu não sei voltar, que eu falei. Sabe sim, você sabe. Você trouxe a gente.
- Eu? Pois então vamos embora pessoal.
A escuridão tinha apagado a trilha. Os integrantes da singular procissão se puseram a gritar, a suspirar, em pouco todos choravam alto, eu quero a minha mãe.
- Vamos, vamos. - e lá se iam, fungando, e indo intrepidamente, rumo a lugar nenhum.
Os pirilampos piscaram no mato. As assombrações cruzavam pelo ar, com asas de morcegos e gritos de corujinha do campo. Asas brancas adejantes, feitas do avesso das folhas prateadas da embaúva, acenavam em silêncio. Caminhamos uma eternidade, tropeçando nos cipós. O capim estava molhado. Gente! Assim de assombração, nós vimos! Depois de quase um século de andanças e de choradeiras, de repente, como um milagre, muitas luzes apontaram, oscilantes, em nossa direção. Como um relâmpago. Como um milagre. Mas tão longe! Tããão longe! Em direção das luzes corremos todos aos gritos. Eu, na frente, berrei com todas as forças (as que me restaram ou as que me nasceram no momento): Meu pai!
Eu sabia que minha mãe estaria dolorida, chorando, arrepelando os cabelos, fechada no seu desespero incomensurável. Mas meu pai sairia me buscando, com uma tocha acesa, até me encontrar.
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