Ruth Guimarães
Quando um pobre homem se casa, além da independência que aliena, perde para sempre a oportunidade de mandar no que é seu e de estar sozinho; a mulher arruma-lhe as gavetas, mexe-lhe nos bolsos, invade-lhe o quarto, com laçarotes e grampos, atende ao telefone. Quer mandar-lhe até nos pensamentos, pois arenga, continuamente: “Não pense que...” Mas há uma propriedade que a mulher não invade: o automóvel. Por isso mesmo é que se vêem, aos domingos, os orgulhosos proprietários desses fordinhos e chevrolés, polindo e alisando o carro enquanto os macarrões esfriam, e na cozinha anda uma lida dos pecados. É ver-lhes a cara iluminada de felicidade, para saber quanto vale e o que significa um automóvel. É-lhe casa, refúgio, asilo, Pasárgada.
Embora todos necessitem da inestimável liberdade que Deus lhes deu, nem todo podem comprar um. Então, a um dá-lhe na veneta pescar na represa do rio Grande, ou em Guararema. Vai pescar, peixe não traz nenhum, que seu objetivo não é esse. A outro, acode-lhe o recurso de ir ver as partidas de futebol do seu time. A outros, acontece-lhes uma súbita paixão por estudos de botânica, ou de minerais, ou dão de colecionar borboletas, ou aranhas, ou selos, ou livros velhos, e torna-se absolutamente necessário andar à cata de aranhas e de borboletas. Ou seja lá o que for.
Meu compadre Orlando Braga caça passarinhos. Não só os caça, mas conserva-os em bonitas gaiolas. E daí que é preciso tratar deles, limpar o cocho e o bebedouro, a tigelinha e os poleiros, cozinhar os ovos que eles comem, escolher a folha mais tenra da alface mais verde, procurar o alpiste mais brilhante e mais novo, arranjar frutas de sua predileção e às vezes não é tempo, e tudo isto toma dilatadas horas. Ele fica, esquecidamente, em silêncio de cabeça baixa, lidando com as avezinhas.
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