segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Entremez que devia ser gracioso

Ruth Guimarães

Antigamente os grandes senhores, como não tinham cinema nem televisão para passar o tempo, quando não estavam em guerra conservavam junto de si uma criaturinha engraçada. Tinha que ser viva, alegre, espirituosa, com língua pronta e ousada. Vestiam-na com roupas extravagantes. Reparem que falei antigamente e era bem antigamente mesmo. Os faraós já tinham bobos para o seu divertimento. Os anões foram muito procurados para essa função, pois sua figura parecia risível a todos, nesses tempos de pouca sensibilidade. E se tivessem algum defeito a mais, crescia-lhes o prestígio. Se fossem corcundas, de pernas tortas, de nariz comprido como um gancho, ou gordos demais, como balões ambulantes, ah! tanto melhor, tanto melhor! Fosse hoje, certamente iriam para o “Pátio dos milagres” do Ratinho.

Havia bufões na Pérsia, na Grécia, em Roma, adestrados não somente em ditos cômicos, mas em saltos e cabriolas. Estiveram em grande voga na Idade Média. Reis, barões feudais, bispos e abades os possuíram. Chamados bobos, eram na verdade espertíssimos. Chamaram-se também truões, em Portugal.

Alguns ficaram célebres, como Tribulé, bufão de Luís XII e de Francisco I. Seu nome era Le Feurial. Nasceu em Foix-le-Blois. Morreu com cerca de 30 anos. Vítor Hugo imortalizou-o em sua peça, “O Rei se Diverte”. Clement Marot atribui-lhe grande vivacidade de espírito. Rabelais que o pôs no seu “Pantagruel”, chamou-o de morosophe, isto é, o louco sábio. Verdi dele se utilizou como um tipo, no Rigoletto. O último bobo parece que foi l’Angely, que serviu os reis Luís XIII e Luís XIV.

Vestiam-lhe o saio feito de muitas pontas cortadas em triângulo, a blusa de mangas tufadas, o gorro com orelhas de burro. Punham-lhe nas mãos o bastão de comando. Faziam-lhe a roupa de mil cores. Penduravam-lhe guizos em cada ponta do saio, em cada desenho da gola, em cada excrescência do gorro.

Conta-se que o imperador Francisco II, certa vez, ao atravessar a ponte de madeira sobre um regato, foi de súbito empurrado por seu bobo e tomou um belo banho. Isso o rei não pôde aturar. Muitas lhe fazia o bobo, estava ficando mais confiado e precisava de uma lição. Gostando sinceramente dele, o rei contentou-se em dar-lhe um susto. Fingiu que o condenara à morte. Fez reunir gente encarregada da execução, colocar no centro do pátio o cepo e mandou buscar o aterrorizado anão. Quando ele reclinou a cabeça sobre o cepo, em meio ao silêncio mortal, o carrasco deu-lhe um golpe na nuca com um pano molhado. Então, a uma, caíram todos na risada. Eram gargalhadas e mais gargalhadas e nada do gaiato se mexer do lugar. Já está fazendo graça novamente – exclamavam. Foram ver e ele estava morto. De medo.

Não era uma boa vida a dos bobos. O próprio apelido de Tribulé, vem de atribulado. Suas facécias, se lhes granjeavam os favores reais, traziam-lhes a inimizade dos nobres de quem caçoavam. Por sua profissão, por sua dependência do humor variável de outro homem, por sua figura disforme, o bobo era desprezado por todos.

Nós, o bobo do rei, o Tribulé atribulado povo, acabamos de dar um bom empurrão no nosso Dom Francisco II.

Não sabemos que providências serão tomadas depois do empurrão, mas acidentalmente o Atribulado poderá fingir que está vivo.

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