Ruth Guimarães
Tocaram certa vez os sinos, em desatinado alvoroço, quando os homens empedernidos da minha terra bateram nuns missionários. Um deles foi empurrado, a outro deram-lhe um pontapé. O religioso caiu, sem dizer palavra. Apenas olhou para o céu, tomando-o como testemunha de tamanha iniqüidade. Justamente nesse momento, o sino desandou a badalar. Os homens entrepararam indecisos. Não fosse aparecer alguém com a idéia de quem em padre só se bate da coroa para cima. Subiram a torre, para ver quem tocava, e na torre não estava ninguém. O repicar não se fazia mais ouvir, mas a corda do sino ainda balançava de leve. Talvez o vento. Esse diabo desse sino enfeitiçado, resmungou um deles.
Foram para casa, silenciosos, mas muito silenciosos mesmo, além disso com uma certa pressa.
No lugar onde o sacerdote caíra diz que nunca mais caiu uma gota de chuva. Foi o preço do pontapé. Lá não chove mesmo, eu vi. Foi construído por cima do lugar uma espécie de galpão. Os padres que, depois, pela cidade passaram em rápida sucessão, sem se demorar muito nenhum deles, eram todos silenciosos, exigentes, com feições de fanáticos e a boca cheia de maldições. Padre Antonio aparecia somente durante as festas, para ajudar. Muito magro, muito alto, muito pálido, muito curvado, tinha qualquer coisa que impressionava na linha obstinada da boca de lábios finos, cerrados. Era colérico. Foi uma debandada geral na fila da confissão, no dia em que ele, às tantas, saiu do confessionário e destemperou: “Fale mal do governo! que falar mal do governo não é pecado!”
Areias, uma das cidades mortas de Lobato, é quieta, as ruas silenciosas têm um ar antigo, abandonado. À noite, depois das nove, nem uma alma cruza o velho largo. As escadarias sobem, num cansaço infinito, até a igreja. Lá assistiu padre Antonio durante uns cinqüenta anos.
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