terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O amor faz vencer a barreira do tempo

Ruth Guimarães
Reconheço que não havia tanta comodidade, mas viver já foi mais fácil
Jocelino Bittencourt, de 93 anos, sempre trabalhou, primeiro na Central do Brasil, depois em carretos, com uma carroça de sua propriedade, e mais tarde com máquina de raspar e aplicar sinteco. Agora está desolado, porque:

- Meus filhos inventaram que eu não posso mais trabalhar e venderam a máquina com que raspei mais da metade da cidade.

- E o senhor se sente disposto a trabalhar?

- Naturalmente. Nunca tive uma doença na minha vida. Só há seis meses fui operado – operaçãozinha a toa, aguentei bem, não tenho nada.

- Verdade – interrompe a velha dele – dona Maria da Conceição, que todos chamam de vó. Ela é avó há tanto tempo que até esqueceram o nome dela, e, primeiro os netos, depois os vizinhos, todo o mundo só chama dona Conceição de vó. – Verdade mesmo, esse velho é um andejo. Vem em casa só prá comer e dormir. 
O amor não tem idade

- Como bem, durmo bem, ando bem.

Ele é desempenado, anda ligeiro, sempre com um guarda-chuva no braço,

Relembra os velhos tempos em que tocava na banda. Tocava trombone.

- Tempo do João Africano, do Teixeira, do Lorena. Já lá se foram todos, e eu estou aqui.

- Vê lá se São Pedro entende de formar uma banda no céu e chama o senhor para trombonista.

- Não tem perigo. Tinha outro trombonista. Morreu faz 23 anos. A banda lá em cima já está completa.

Jocelino Bittencourt, chamado simplesmente de Joce, descendente de franceses, tem o tipo dos valões, é calvo, vermelhão, olhos azuis, nariz adunco, lábios finos, é magro, lépido. Nas festas de formatura fez um bonito, entrou no clube, levando pelo braço a primeira trineta que se forma na 8ª série. Foi homenageado como o trabalhador mais velho da cidade. 

Falante, contador de piadas, lúcido, com bons olhos e bom ouvido, muito gesticulante, conta:

- Sou o trabalhador mais velho, e o homem mais velho de Cachoeira, mas não a pessoa mais velha. Homens idosos de mais de oitenta há muitos: o pai da Cidoca, o prof. Agostinho Ramos, e muito mais. Ninguém ganha é das mulheres. Mulher dura muito.

De mais de 90 tem a mãe de Walter Cruz, a Dona Binda, a Dona Regina, Dona Andradina, com 99. Cachoeira é terra de gente que dura muito, principalmente mulher.

- Nunca reparei nisso.

- Ponha reparo. Mulher não morre fácil. Eu só perco pra mulher. Veja que aqui em Cachoeira existem 25 viúvos e 166 vúvas. 

Joce que está casado há 67 anos, tem netos, bisnetos e trinetos, trabalha desde os 10 anos, portanto há 83 anos.

- Já acostumei, diz ele. Com que não me conformei foi perder a minha máquina...
Receita para uma longa vida sadia: Eu não bebo e não fumo; trabalho.
Valeparaibano, 05 de março de 1978.



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