Ruth Guimarães
Clube de pobre é buteco. Se quiserem fazer um recenseamento, verão que há mais botequins do que lojas e armazéns, mais do que igrejas, contando em global todas as religiões, mais do que farmácias, e com uma animada freqüência até que muito mais disputada pelas esposas esquecidas em casa, pelos padres e pastores.
Bom mesmo é o buteco do João Quadra e bom para beber é o velho Morgado. Está aposentado por um ISS qualquer, mas não se dá com a moleza. Arrumou um caminhão, anda puxando a areia.Um pouco antes do almoço, passa no bar do João Quadra e dá uma bicada: um liso de um quinto de litro. Não cospe, não joga pro santo, passa as costas do mãozão na boca, ele é um homenzarrão, e vai embora. Dá mais umas voltas, de tarde manda outro liso. Bêbado? Que esperança! Não falei que é grande? Tem capacidade.
Mas eu vou contar. Um dia destes, era um domingo, dia de bar estar assim de gente, entrou com o velho Morgado um homenzinho encolhido, moreno, meio a jeito de figo seco; e o grandão comandou:
- Dois lisos aí! Um pra mim, outro pro compadre...
Nós ficamos de quina, olhando. Aquele ia na primeira. Era curto, raso, tanque pequeno, enche logo.
Beberam. Velho Morgado mandou o seu numa batida. O companheiro enviesou a mirada do lado dele, mediu bem com os olhos o tamanho do copo e fez o mesmo. Via-se que não estava acostumado a ir assim, engasgou, sufocou, levou um tempo tossindo. Velho Morgado não riu. Ninguém riu. Deu um galeio no corpo, bateu os dois punhos fechados no balcão e:
- Vamos outro, compadre!
- Vamos! – disse o meio-quilo, intrépido.
O grande bebeu, o pequeno foi com mais cautela, mas assim mesmo tornou a tossir. E nós, de quina, olhando.
Eles não saíram. Em pé, ali no balcão, um ao lado do outro, um grandalhão, peludo, vermelho, outro enfezadinho, de cabeça baixa.
- Outro, compadre?
- Dá pra ir!
“É agora!” que nós pensamos. Beberam. Nessa hora, o pequeno se lembrou de que a filha estava esperando para o almoço.
- Eu vou mas é embora. Ela não vai gostar que eu fique aqui e a macarronada lá em casa, esfriando.
O velho Morgado deu uma risada desdenhosa e o pequeno, depois de ter falado todas aquelas coisas, não saiu. Trocaram mais umas palavras e vieram mais dois lisos, que ninguém bebeu. O pequeno estava aflito, enfiou os dedos por dentro do colarinho, sacudiu a cabeça, uma vermelhidão suspeita começou a se espalhar pelo pescoço dele e pelas orelhas.
- Agora eu vou mesmo – falou bem alto. E se arrancou.
Deu uns dez passos, duro como um pau. Foi direto até a porta e lá caiu de borco, se esparramando no chão. Aquele não levantava mais. E enquanto a turma do vamos levar pra casa providenciava, meio afobada, que a coisa podia dar em confusão, ninguém mais se lembrou do velho.
Há muito jeito neste mundo para um bêbado cair. Uns vão de cara, outros caem de costas, alguns dão uma guinada aqui outra ali para depois aterrar, algum, de tanto cercar frango cai sentado. Algum rodopia primeiro. Velho Morgado, que ninguém nunca tinha visto bêbado, foi se abaixando, se abaixando, diminuindo, chegou o momento em que, de pé que tinha estado, ficou seguro no balcão só pelo queixo.
E nós, de quina.
Mas a turma do socorro viu passar o Vardemá Feio com a charrete, e começou a gritar em altos brados: “Venha logo Vardemá, venha aqui, que seu pai desta vez apagou o pavio!”
Excelente, lembrei me dos tempos de criança, quando frequentava a "venda" de meu tio na até então bucólica Silveiras!!! Parabéns!
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