terça-feira, 19 de novembro de 2013

Choro eu... chora você...

Ruth Guimarães

Seu Vicente Alfaiate sentado à velha máquina Singer, não estava muito animado. Conversador ele não era, mas não perdia a oportunidade de fazer suas implicâncias e resmungar contra a vida. Pois estava quieto, Sá Marica passou pra lá, Seu Vicente estava parado. Passou pra cá. Seu Vicente estava parado, mas um tantinho caído do lado. Pôs-lhe a mão no ombro e ele caiu de uma vez, num desamparado. Aí a casa virou um turbilhão, sá Marica no meio. Foi ela quem providenciou tudo. Chamou o compadre para ajudar a levantar seu Vicente, acendeu a vela para colocar na não dele. Não vá morrer sem luz, e não achar o caminho do céu. Mandou chamar cada filho e, quando o marido morreu, lidou com ele sozinha, de olhos enxutos. Não derramou nem uma lágrima. Quando o enterro saiu, ficou na sala de jantar, pensamenteando só ela sabia o quê. E ali ficou sem uma palavra, enquanto todos se despediam, constrangidos, bom homem seu Vicente. A gente sente como se fosse nosso pai. E quando estavam longe, desabafavam. A tristeza trespassou a coitada. Nunca vi coisa assim. Nem uma lágrima.

Com o correr dos dias, a vida no sítio retomou o seu curso tranqüilo. Dobrou a serviçama, porque seu Vicente, que sempre dava um ajutório, não estava mais lá. Os filhos se foram, cada um para o seu lado, os vizinhos deixaram de comparecer, e sá Marica foi ficando sozinha, sem ninguém com quem falar. Terminava o serviço de tardezinha, sentava num canto, num banquinho, com a costura na mão, chuleando ou remendando. Daí, começou a pensar. Numa tarde, com tudo quieto, aqui dentro e lá fora, quando não se ouvia nem cantiga de passarinho, de repente lhe entrou coração a dentro uma tristeza fina e mansa, mas tão dolorida, que os soluços subiram do coração e ela chorou, soluçante, um choro longo, comprido, cortado de soluços e terminado por longos suspiros de alívio.

- Mas aí, do que adiantou? – comentou sá Marica quando me contou o caso – Aí não adiantou de nada. Chorei, mas não tinha mais ninguém pra ver...

Nada li, nunca, a respeito das nascentes do choro. Às vezes fico pensando como farão os artistas de teatro, atores e atrizes, para chorarem na hora certa. É mais fácil provocar o riso, ou rir sem vontade.

Antigamente era um axioma: homem não chora. Pranto é coisa de mulher. Hoje homem chora sim. Usa brinco, faz maquiagem, sai de roupas femininas no bloco das Piranhas e até casa com outro homem.

A pergunta do Poeta é: Por que chora o homem? 

Acho que descobri porque chora o homem (e isto assistindo a um programinha de televisão, onde se fazem homenagem a artistas esquecidos).

O homenageado agüenta tudo: a fala, a metida a engraçado do apresentador, todos os passos barulhentos do programa. Vêm os amigos, lembrando passagens de sua vida. Jovens cantam suas composições, se ele as têm. Aparecem na tela flashes de sua vida pregressa. Nenhuma comoção. Surgem risonhas as suas professoras do tempo da camisolinha. Ele ali, durão. Vai daí, aparece a sua gente. Aparece a sua gente. Pai, mãe, irmãos, sobrinhos, os filhos. Todos falam, fazem saudações ensaiadas, com sotaque e tudo. Esquecem parte do que iriam dizer, sorriem, repetem, voltam atrás, chegam ao fim meio às pressas, e aí terminam, de uma vez só, deixando pra lá a fala decorada, dando vazão sincera ao que lhes palpita ao lado esquerdo do peito. Então, derrepentemente, a pose, o aprumo, o à vontade do homenageado desmoronam e aí “choro eu, chora você...”

Por que chora o homem? Que choro compensa o mal de ser homem?

Chora de comovido? quando compreende afinal? Ou talvez chore de compaixão de outros. Talvez chore de compaixão por si mesmo.

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