Ruth Guimarães
Era domingo, quente. Cigarras
escondidas por aí, zinindo, sorvetes nos carrinhos da praça. O pipoqueiro rodeado de crianças, com
notinhas de um real nas mãozinhas fechadas.
A pérgola do jardim se iluminava de flores vermelhas, abrindo labaredas
contra o céu, nunca vi tanta audácia.
Era domingo.
Seu Geraldo, que se julgava muito
homem, mas que não gostava de mulher, encostou o pé no tronco craquento de uma
velha roseira e dormiu quase uma hora.
Acordou às três. A criançada do
catecismo voltava da igreja com santinhos na mão. E a vizinha desenhava arabescos de prata
sobre as flores com a água de um regadorzinho verde garrafa. Ele se remexeu, endireitou o corpo com um
safanão que fez a roseira chover pétalas na grama. Nem bem a vizinha aparecera na escada, ele
fechara os olhos, cheio de ojeriza. Mas
estava fazendo um calorzinho coçado, que afaga, que amolenta, que agrada o
corpo. Gostosura de sesta, depois de um
almoço brasileiro, de tutu e torresmo, regado a pinga com limão.
Seu Geraldo começou a modorrar, fechou
depressa os olhos para não ter que conversar com aquela intrometida. Mas o dia era mágico. O calor era mágico. Ele se curvou para a frente e disse:
-
Vou lhe
ensinar uma coisa.
-
Ensinar?...
repetiu ela. E o rostinho oval, miúdo,
tomou um ar de ponto de interrogação.
-
Vou lhe
ensinar uma coisa. Vejo que a senhora
ama as flores. A senhora planta uma
roseira de rosas bem vermelhas. Rosa
Príncipe Negro, de veludo e sangue. Ou
toda em púrpura. Entre na floricultura e
escolha! A Rosa de Provença, de cem-folhas.
As Rosinhas Chorão. A Rosa
Laurenciana, a menor de todas. A Rosa
Holanda, a mais negra. A Rosa dos Alpes,
que cresce até os 2.400 metros de altura.
Eu já a fiz viver em geladeira.
Ou as rosas de Xiraz, que devem ter inspirado os poetas e os amantes da
Pérsia. Escolha, minha senhora. Escolha!
A vizinha abriu uns olhos enormes. Ela é bonitinha, redonda, boba, um amor,
-
Mas que
seja vermelha. Como as labaredas. Que os raios de sol cobrem de ouro, que o
pálido luar polvilha de neve. Que se
transforma em rubi, na glória do sol nado.
E de manhãzinha, inteiramente aljofrada de neve e prata.
-
Como o
senhor fala bonito, quando quer!
-
E também
vermelho, fogo, ira, perdição, rubra como o inferno em que eu vivo!
-
Mas, o
senhor estava ensinando... – ela acrescentou depressa.
-
Ah!
Ensinando... – ele deu uma risada e continuou:
-
Plante a
muda no canteiro, onde pela manhã bate o sol.
Quando a roseira começar a abotoar, veja! Não. Antes, plante a dez
centímetros do caule, à volta toda, mudas de violeta comum. Essa roxinha, modesta, perfumada, em que a
florzinha dá escondida. Chamada de
modesta, de pura, de ingênua, de recatada.
Essa. Quando a violeteira florir,
verá que beleza! Nascerão violetas lilases e roxas do tom do manto do Senhor
dos Passos.
-
E as
rosas?
Seu Geraldo passou as mãos pelo rosto, como quem
desperta.
-
As rosas
nascerão azuis, coisa que nenhum floricultor conseguiu até hoje. Nem os monges do Medievo. Nem nenhum cientista. Nem os japoneses. Nem milagre.
Rosas azuis...
Está aí a receita.
Quem quiser que as experimente.
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