quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Antropônimos

Ruth Guimarães

Nas alcunhas, os nomes das pessoas são substituídos por antonomásias. Algumas vezes laudatórias, outras vezes depreciativas, valendo-se de alusões obscuras aos espíritos desavisados. Com os homens públicos é freqüente essa substituição de nomes. Por exemplo, Floriano Peixoto era chamado de Marechal de Ferro, Campos Sales era o Patriarca do Banharão. Rui Barbosa, a Águia de Haia, Wenceslau Brás o Solitário de Itajubá. Com os escritores se dá a mesma coisa. Virgílio foi chamado o Cisne Mantuano. Shakespeare o Cisne de Avon e também de Bardo de Stratford-on-Avon, lugar de seu nascimento.

O Padre Antonio Vieira dizia num dos seus sermões que existe um vocabulário de púlpito, que desbatiza os santos, e segundo o qual são mencionados: o Cetro Penitente, o Evangelista Apeles, a Águia da África, o Favo de Claraval, a Púrpura de Belém, a Boca de Ouro. Ou mais simplesmente Davi, São Lucas, Santo Agostinho, São Bernardo, São Jerônimo e São João Crisóstomo. Rebelava-se Vieira contra isso, dizendo:

”E quem cuidaria que a púrpura de Belém é Herodes, que a Águia da África é Cipião, e que a Boca de Ouro é Midas.”

Faz ainda o grande jesuíta outras reprovações, o que não o impediu de por vezes chamar Santo Tomás de Aquino pelo nome de Doutor Angélico.

São Bernardo é também conhecido como Doutor Admirável e São Boaventura como Doutor Seráfico.

A minha terra é terra de muitas alcunhas. Algumas engraçadas algumas nem tanto. Umas têm sentido claro, referem-se a defeitos, sestros, acontecimentos, e outras sabei-me lá como surgiram.

Eis umas tantas alcunhas de gente muito conhecida por aqui:

Chico Louco, Gordurama, Pula-N’água, Baita, Mariquinha do Bico Doce. Existe quase um zoológico: Surubi, Jacaré, Bem-te-vi, Zé Tatu, Porquinho, Bodão, Tubarão, Galinha Gorda, Gambá Careca. A família inteira dos Caçapa. A família do Dito Pavão. Destes, o pai-de-todos compareceu ao Cartório, alegando que era conhecido só pelo apelido de Pavão. Este nome ele queria adotar dali em diante para si, para a mulher e para os oito filhos.

Aportou a esta cidade de apelidos, certa vez, um promotor de justiça que, ciente desse mau vezo do povo de apelidar todo-o-mundo, quis usar uma estratégia para se precaver. Chegou, mandou as malas para o hotel, entrou sozinho, que a família viria mais tarde, e não saiu mais para as ruas. Espalhou a papelada numa mesinha do quarto, fingindo trabalhar. Por trás da veneziana espiava o movimento. Entrementes recomendou aos funcionários do fórum, e até aos cartorários, que fossem espalhando por aí que se chamava João José da Costa Neves (que evidentemente é nome usado apenas nesta conversa). Depois de uma semana, deu por finda a reclusão. Estava muito aliviado. Agora todos sabem como eu me chamo.

Quando saiu já tinha um apelido: Rato de Gaveta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário