quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Ainda Remarque significando vida

Ruth Guimarães

Em uma entrevista, há não muito tempo, me perguntaram sobre a questão do demônio do subconsciente das pessoas. Como eu via esta questão.

Respondi que o problema estava no meu subconsciente. Eu morava numa fazenda, num casarão que era uma imensidade, a casa tinha vinte e seis cômodos. Um deles era um salão que dava para se fazer baile. Faziam-se bailes lá na minha casa, e a minha mãe tomava conta lá da fazenda. Tinha quatro empregadas para poder gerir a fazenda. Tinha a cozinheira, a copeira, a arrumadeira. Mais a faxineira que vinha de fora. E a lavadeira, que se desdobrava em duas: ela e a filha.Vinham uma vez por semana, e uma vez por semana em casa se fazia uma espécie de mutirão para fazer doce: em calda e cacheta. Estes eram os dias de descascar marmelo, descascar pêssego, figo. Era dia de contar história. E o pessoal contava história de arrepiar. Descascando fruta e contando história. Quando era a hora do tacho, não me deixavam ficar na cozinha, porque era uma mexeção de tacho. Tudo quente e gente correndo pra lá e pra cá. Porque fui muito arteira, Nossa Senhora! “Dona Maria, tira a Ruth daqui que ela é muito arteira!” Não me deixavam ficar na cozinha. E com isto eu me familiarizei com todo o folclore de horror, e o diabo era um personagem importantíssimo, aparecia em tudo. Eu sabia como é que a gente chamava o diabo, como é que entregava a alma pra ele, como é que tinha que rezar, como é que fazia invocação, as árvores que ele freqüentava – a figueira brava, a peroba. Isso foi ficando entranhado, isto foi se fazendo lá no meu inconsciente. Eu não acreditava em Deus, nem sabia o que era Deus, porque eu ainda não tinha tido nem catecismo e já sabia quem era o diabo. Tive um inconsciente moldado pelo demônio e precisei escrever um livro sobre o demônio para me ver livre dele. Só depois que escrevi é que o diabo deixou de me incomodar, porque mesmo não acreditando, porque eu não acredito, mesmo agora, a religião não conseguiu repor o diabo no lugar. .Quer dizer, minha religião... nem tenho religião nenhuma. Mas, o diabo ocupava um lugar muito grande e me dava ordens. Eu era apavorada. Se eu lembrasse que o diabo não gosta de escuro, não gosta de luz, não entrava num lugar escuro de jeito nenhum. Quase foi um caso de internação.

O comentário seguinte foi: de psicanálise....

De psicanálise, não. De psiquiatria. Era apavorada mesmo. Eu tinha mesmo de falar do diabo, contar a história do diabo, porque estava me incomodando. Aí eu escrevi Os Filhos do Medo e me libertei. 

Talvez por isso eu entenda O POETA

O POETA REPETINDO A LOUCA

O homem pálido que se encontra no alto, à minha frente, com sua barba e seus membros ensangüentados, não é isso. Foi há dois mil anos, e, durante todos esse tempo, a vida, com suas luzes, seus gritos de paixão, suas mortes e seus êxtases, evolou-se em torno das estruturas de pedra onde se erguem as figuras desse homem pálido, agonizante, vago, ensangüentado, cercado de milhões de Bodendicks (o padre) – e a sombra cor de chumbo da Igreja estendeu-se sobre as nações, asfixiando a alegria da vida, transformando Eros, alegre, num secreto, sujo e pecaminoso acidente de alcova. Sem perdoar nada, apesar de todos os sermões sobre o amor e o perdão, pois o verdadeiro perdão significa aceitar o homem como ele é, e não exigir expiação, obediência, submissão, antes de ser proferido o “ego te absolvo”

A VOZ DO POETA

- A música também encobre as coisas, mais do que as palavras.

- Há uma espécie de música que revela as coisas. A música de tambores e clarins. Tem causado ao mundo muita infelicidade.

A VOZ DA LOUCA

- Nada está errado. Errado ou certo é algo que somente Deus sabe. Mas, se Ele é Deus, não existe certo ou errado. Tudo é Deus. Só seria errado, se estivesse fora dEle. Se alguma coisa pudesse estar fora dEle, ou contra Ele. Ele seria apenas um Deus limitado. E um Deus limitado não é, de modo algum, Deus. De modo que tudo está certo, ou então, não existe Deus. É tão simples!

A VOZ DO HOMEM COMUM

Nunca faça alguma coisa complicada, quando algo simples dará o mesmo resultado. É um dos segredos mais importantes da arte de viver.

UM HOMEM QUALQUER

A gente está tirando proveito da vida, quando nada se quer, em determinado momento, além daquilo que se tem.

O obelisco negro
Erich Maria Remarque, Editora Bruguera, Rio de Janeiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário