segunda-feira, 3 de junho de 2013

O Vale do Paraíba

Ruth Guimarães

Eu fiz um livro sobre o Pedro Malazarte chamado Calidoscópio, que introduzi orientando o leitor para o nosso Vale. Moro aqui, trabalho aqui, mas nem todos conhecem o Paraíba, às vezes acham que estamos falando da Paraíba. Então, para os que me lêem e que os não são daqui, vou apresentar-lhes a região pesquisada:

Bacia do Paraíba do Sul, desde Santa Isabel, em São Paulo, até Barra do Piraí, no Rio de Janeiro, e fletindo para Minas Gerais, todo o sul, incluindo as estâncias hidrominerais. Ou seja, o Médio Vale Superior. O Médio Vale Superior do Paraíba, uma região com pouco mais de 18.000 quilômetros quadrados, 39 cidades, ultrapassando a marca de um milhão e seiscentos mil habitantes. Além da identidade geográfica, tem presença histórica de rara importância. Passaram por ele grandes aventureiros de lendária memória. Estudaram-no muitos cientistas. Foi cenário da mais alta significação. É até hoje área de enorme desenvolvimento econômico e tecnológico. As suas cinco maiores cidades, medidas pelo número de habitantes, são, na ordem: São José dos Campos, Taubaté, Jacareí, Pindamonhangaba e Guaratinguetá.

São Paulo e Rio de Janeiro, pela conurbação das cidades que se imbricam umas às outras, como já acontece com Jacareí e São José dos Campos, com Aparecida e Guaratinguetá, serão, por uma cadeia contínua, a megalópole brasileira. A previsão era para os princípios do terceiro milênio. Talvez fique para os meados. Ou fim.

Habitando um corredor de passagem para três Estados, o homem valeparaibano é antes de tudo um híbrido: Paulista de Sudeste, mais Fluminense de Baixada, mais Mineiro do Sul do Estado, resultam em tipos étnica, folclórica, lingüística e socialmente idênticos. Por isso, os sociólogos encontram por toda a área um certo ar de família.

A par de tudo isso e de uma riqueza folclórica muito expressiva, o Vale é de uma pobreza de doer. Terras pobres devolutas, pecuária que é praticamente um pastoreio, abandonada pelos poderes.

Quanto ao rio, rio meu rio, nem é bom falar.

A Sociologia, a Biologia, a Ecologia, os sábios e os poetas, toda a gente anda preocupada com os rios e nós, valeparaibanos, preocupados com o nosso.

Enquanto o povo verifica desolado que o Paraíba está morrendo, os cientistas mais radicais declaram que o Paraíba está morto. Mas, mesmo à beira da morte, ele é ainda a esperança de muitos e pobres pescadores, piraquamas ou piraquaras, que, de vara em punho, de dia e de noite, sentam-se em sua beira, como se esperassem o milagre da multiplicação dos peixes.

O Vale do Paraíba outrora gozava de um prestígio fabuloso devido às suas riquezas. Hoje, tem-se em mente novo progresso para a região, com o início da construção de barragens e diques, metrô de superfície, atividades de reflorestamento, hidronavegação, caça, pesca, controle de poluição, zoneamento urbano e rural, conservação das pastagens e auxílio aos agricultores.

No passado, o Vale foi perdendo suas metas devido ao empobrecimento da terra, às injustiças sociais, à escravidão, à derrubada das matas e à desolação total das terras. Nos dias atuais a vida recomeça com a nova fase da industrialização em massa, e a atualização do sistema agropecuário, que ainda no momento é setor de grande atividade econômica da região.

A economia do Vale do Paraíba está centrada nas seguintes culturas e atividades produtivas:

CAFÉ - a fim de atender aos grandes consumidores mundiais, a rubiácea foi introduzida na região em fins de 1700. Com o esgotamento da terra e abolição da escravatura, a região passa para um novo campo de atividade até os dias atuais, ou seja, a agropecuária.

ARROZ - produzido em toda a região valeparaibana. Pindamonhangaba é líder no Vale em área de plantio e quantidade colhida (já chegou a alcançar 210 mil sacas por ano); Lorena também se destaca na produção de arroz, sobressaindo a região de Canas, Caninhas e o famoso Brejão - esta localidade contou com uma colônia chinesa de engenheiros agrônomos de Formosa. Caçapava aparece em seguida.
MANDIOCA, MILHO E FEIJÃO - sobressaem as cidades de Cunha e Pindamonhangaba nesta produção.
TRIGO - chegou a ser tentado em Pindamonhangaba e Caçapava, mas o clima não permitiu sua produtividade em quantidade rentável.
HORTICULTURA - praticada intensivamente nas várzeas valeparaibanas, principalmente pelas colônias japonesas.
CANA-DE-AÇÚCAR - responsável inicialmente pela riqueza agrícola do Vale do Paraíba, foi substituída pelo café e hoje é plantada somente para forragem do gado bovino. Em alguns locais como Paraibuna e certas regiões do Alto Vale do Paraíba, Queluz, Bananal e São José do Barreiro, é cultivada para a produção de aguardente.

PECUÁRIA - tem grande destaque. Nesta atividade faz-se excelente criação de bovinos da raça Holandesa, Cruzado e Pardo Suíço. Em Cunha foi desenvolvida uma raça especialmente adaptada aos morros da região - o gado Mantiqueira. Em São José dos Campos algumas fazendas criam com sucesso o gado Jérsei. Também foi tentada, e ainda perdura, com algum resultado, a criação de búfalos, especialmente em Bananal (430 cabeças) e São José dos Campos.
INDUSTRIALIZAÇÃO - Grandes centros como São José dos Campos, Taubaté, Pindamonhangaba e Jacareí, que envolvem cerca de 1.800 indústrias ou 79% do total da região, foram obrigadas a demitir, nos últimos três anos, mais de 100 mil trabalhadores. Guaratinguetá e Cruzeiro figuram como centros médios, atingindo 12% do total, e sofreram proporcionalmente menos com a recessão e a crise mundial de mercado. Os pequenos centros ficam com as cidades de Caçapava, Lorena e Aparecida, representando 3%, enquanto os restantes 5% estão espalhados pelos outros municípios. Sem a presença de centros industriais temos Areias, Bananal, Cachoeira Paulista, Cunha, Guararema, Paraibuna, São José do Barreiro e Silveiras. 

A área do Vale do Paraíba é superior a 18.000 km2. As cidades mais populosas: São José dos Campos, Taubaté e Jacareí. A seguir Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Lorena, Cruzeiro Caçapava e Caraguatatuba, todas com população superior a 50 mil habitantes, e sete outras cidades com população superior a 20 mil habitantes (Ubatuba, Aparecida, São Sebastião, Campos do Jordão, Cachoeira Paulista, Cunha e Tremembé). As outras 21 cidades têm menos de 15 mil habitantes.

Estas cidades estão distribuídas nas seguintes condições:

Zona do Médio Vale do Paraíba: Caçapava, Jacareí, Jambeiro, Monteiro Lobato, Natividade da Serra, Paraibuna, Pindamonhangaba, Redenção da Serra, Santa Branca, São José dos Campos, Taubaté e Tremembé, além das vilas e distritos de Moreira César, Eugênio de Melo, Quiririm e São Francisco Xavier.

Zona do Alto Vale do Paraíba: Aparecida, Arapeí, Areias, Bananal, Cunha, Lavrinhas, Lorena, Guaratinguetá, Piquete, Potim, Queluz, Roseira, além das vilas e distritos de Campos de Cunha, Chapéu Grande, 
Pinheiros e Canas.

O que chamamos de zona do Baixo Vale do Paraíba são as cidades do setor fluminense e parte de Minas Gerais.

A conquista do Vale teve seu início em fins da metade do século XVII, por meio de três grandes fatores: política de promover a ocupação de terras, procura de jazidas auríferas e preamento de indígenas, e interesse da Metrópole de fazer ligação entre esta e as províncias.

Presentemente o Vale - ligação entre as duas maiores capitais do país - é uma região empobrecida e decadente. Sua população é formada de:

1) proletariado
2) grande massa de populações presas a subempregos
3) uma classe média provinda dos grandes fazendeiros, entre os quais se contavam os nababescos barões do café
4) empresariado

A moral nesta região ainda é patriarcal. Procura-se manter as aparências. É zona de pequeno poder aquisitivo porém todos têm carro e aparelhagem eletrodoméstica. Nas casas mais pobres dos bairros da periferia não falta o aparelho de televisão. No Vale do Paraíba a sociedade de consumo tem condições ideais para se desenvolver. 

Minhas pesquisas sempre foram no mundo da região valeparaibana. Parece-nos amostragem suficiente. Daí, verificamos que no mundo malazartiano, quem nele entra, penetra em campo de força da magia. Voluntariamente? Folcloricamente. É um mundo estranho, que nos obriga a reconhecer, pela aceitação, pela aprovação desse mundo, a nossa vocação para a malandragem, ou, pelo menos, a nossa cumplicidade. Começa com o sonho do brasileiro de enriquecer rapidamente e sem trabalho: loteria, carteado, garimpo, jogo-do-bi­cho, carnê-do-baú; e, num plano ainda mais marginalizado: conto-do-vigário, fraude, furto, estelionato, burlas e chantagem.

Sociologicamente, o Malazarte é uma expressão do Brasil-cinderela: qualquer um que está no borralho pode chegar ao palácio do rei, por intervenção da fada-madrinha. Sempre um começa sendo zero, e sempre ruma ao infinito. Desse modo, o conto-malazartiano apenas confirma o que é veiculado nas novelas televisivas e radiofônicas, no luxo das fantasias de carnaval, rei, rainha, de um dia de glória e um ano de penas. No joguinho do bicho, cercando o macaco pelos sete lados. Cinderela. O traço mais firme e mais persistente da nossa personalidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário