Ruth Guimarães
Vem a calhar, nesta antevéspera de
Páscoa, lembrar o gênio literário de Eça de Queiroz. Um conto seu, “O Suave
Milagre”, de uma tal doçura, inspirou-me, há mais de trinta anos, a fazer uma
adaptação para teatro. Nunca publiquei este trabalho.
Por
esse tempo, no caminho da Judéia,
Jesus
ia espalhando a luz da nova idéia.
Da
aurora redentora a doce claridade
de
graças inundava a cega humanidade.
O
sol da redenção surgia, finalmente,
levando
ao mundo inteiro o Deus onipotente.
Corriam
à porfia os nobres e os plebeus,
a
ouvir, cheios de fé, a santa lei de Deus.
Então
Cristo pregava às multidões pasmadas
da
nova religião as práticas sagradas.
E
o povo, atento, ouvindo
aquela voz divina,
solícito
acolhia
a
celestial doutrina.
Das
ermas solidões
às
grandes serranias,
há
muito que chegara
a
fama do Messias.
Vivia,
nesse tempo, em tosca habitação,
erguida
em quatro paus, no meio do Indostão,
uma
pobre mulher com seu filhinho enfermo,
faminto,
triste, enfraquecido,
e
já chegando ao fim da penosa existência.
Era
tanta a pobreza,
era
tanta a miséria dessa gente,
que
a mesa, há dias, não se punha.
Naquela
solidão,
não
havia quem desse um pedaço de pão
para
matar a fome àqueles desgraçados,
que
viviam ali, a sós, desamparados.
E
a pobre criancinha
de
fome definhava,
assim
como definha a flor
sem
o orvalho etéreo e matutino.
A
mãe,
a
pobre mãe desfeita em pranto,
na
sua dor atroz, no seu martírio santo,
que
as mães sofrem somente e que ninguém exprime,
cumpria
com carinho o seu dever sublime -
o
seu dever de mãe.
Era
atroz!
Naquela
solidão,
não
havia quem desse um pedaço de pão...
Um
dia, por acaso,
um
peregrino errante,
vindo
de longes terras,
de
um país distante,
parou
por um momento à porta da choupana,
a
fim de descansar.
E
esteve longo tempo na cabana,
ouvindo
a triste narração,
daquela
que vivia imersa na aflição
de
um penoso viver.
E
o bom do peregrino
começou
a falar nesse Rabi divino;
desse
piedoso e doce filho de Belém,
que
viva pregando as práticas do bem.
Solícito,
aliviando o mal da humanidade,
com
o bálsamo eficaz da sua caridade.
"Ele
é bondoso e meigo,
amigo
das crianças.
Ao
pobre que padece
ele
enche de esperanças,
nas
almas derramando a sua divina luz.
A
um sinal de Jesus,
um
doente se levanta,
um
surdo torna a ouvir,
um
cego cobra a vista.
E
já se viu coisa até então não vista:
do
sepulcro surgir,
de
Cristo por mandado,
alguém
que ali jazia,
há
dias sepultado."
Algum
tempo falou ainda o peregrino
e
depois, pôs-se a caminho.
Apenas
o estrangeiro partiu da habitação,
o
doente, que estivera atento à narração,
que
não perdera uma só palavra
de
tão longa história,
que
ainda tinha inteira na memória,
começou
a dizer:
"Oh!
mãe!
Se
eu pudesse
fazer
com que Jesus ouvisse a minha prece...
Ele
é bondoso e meigo,
amigo
das crianças.
Ao
pobre que padece ele enche de esperanças,
nas
almas derramando a sua divina luz.
Eu
quero ver a Cristo.
Eu
quero ver Jesus!"
"Mas,
filho meu, não posso.
A
minha triste sorte há de levar-me em breve
ao
chão da sepultura.
E
vê bem!
Qual
seria a tua desventura,
se
eu chegasse a morrer longe de ti.
Demais,
os
homens hoje são piores que animais.
Sem
conhecer ninguém,
por
todos desprezada,
eu
nunca chegaria ai fim dessa jornada.
E
tu,
nesta
choupana,
entregue
ao sofrimento,
sem
ter quem te alcançasse
um
pouco de alimento,
de
fome,
e
de miséria,
ó
filho,
morrerias.
E,
depois,
para
quê?
Talvez
que esse Messias
já
nem exista mais.
Ele
veio do Céu,
e
Deus o reclamou.
Paciência,
filho meu!
Não
penses mais em Cristo.
Cristo
já morreu..."
"Eu
quero ver Jesus..."
Nisto,
abrindo
a porta vagarosamente,
tão
manso,
e
tão de leve que ninguém notou,
com
a alegria na face resplendente
Jesus
entrou no quarto e disse:
"AQUI
ESTOU."
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