quarta-feira, 8 de maio de 2013

Suave milagre


Ruth Guimarães


Vem a calhar, nesta antevéspera de Páscoa, lembrar o gênio literário de Eça de Queiroz. Um conto seu, “O Suave Milagre”, de uma tal doçura, inspirou-me, há mais de trinta anos, a fazer uma adaptação para teatro. Nunca publiquei este trabalho.   

Por esse tempo, no caminho da Judéia,
Jesus ia espalhando a luz da nova idéia.
Da aurora redentora a doce claridade
de graças inundava a cega humanidade.
O sol da redenção surgia, finalmente,
levando ao mundo inteiro o Deus onipotente.
Corriam à porfia os nobres e os plebeus,
a ouvir, cheios de fé, a santa lei de Deus.

Então Cristo pregava às multidões pasmadas
da nova religião as práticas sagradas.
E o povo, atento, ouvindo
aquela voz divina,
solícito acolhia
a celestial doutrina.

Das ermas solidões
às grandes serranias,
há muito que chegara
a fama do Messias.

Vivia, nesse tempo, em tosca habitação,
erguida em quatro paus, no meio do Indostão,
uma pobre mulher com seu filhinho enfermo,
faminto, triste, enfraquecido,
e já chegando ao fim da penosa existência.

Era tanta a pobreza,
era tanta a miséria dessa gente,
que a mesa, há dias, não se punha.

Naquela solidão,
não havia quem desse um pedaço de pão
para matar a fome àqueles desgraçados,
que viviam ali, a sós, desamparados.

E a pobre criancinha
de fome definhava,
assim como definha a flor
sem o orvalho etéreo e matutino.

A mãe,
a pobre mãe desfeita em pranto,
na sua dor atroz, no seu martírio santo,
que as mães sofrem somente e que ninguém exprime,
cumpria com carinho o seu dever sublime -
o seu dever de mãe.

Era atroz!
Naquela solidão,
não havia quem desse um pedaço de pão...

Um dia, por acaso,
um peregrino errante,
vindo de longes terras,
de um país distante,
parou por um momento à porta da choupana,
a fim de descansar.

E esteve longo tempo na cabana,
ouvindo a triste narração,
daquela que vivia imersa na aflição
de um penoso viver.

E o bom do peregrino
começou a falar nesse Rabi divino;
desse piedoso e doce filho de Belém,
que viva pregando as práticas do bem.
Solícito, aliviando o mal da humanidade,
com o bálsamo eficaz da sua caridade.

"Ele é bondoso e meigo,
amigo das crianças.
Ao pobre que padece
ele enche de esperanças,
nas almas derramando a sua divina luz.
A um sinal de Jesus,
um doente se levanta,
um surdo torna a ouvir,
um cego cobra a vista.
E já se viu coisa até então não vista:
do sepulcro surgir,
de Cristo por mandado,
alguém que ali jazia,
há dias sepultado."
Algum tempo falou ainda o peregrino
e depois, pôs-se a caminho.

Apenas o estrangeiro partiu da habitação,
o doente, que estivera atento à narração,
que não perdera uma só palavra
de tão longa história,
que ainda tinha inteira na memória,
começou a dizer:

"Oh! mãe!
Se eu pudesse
fazer com que Jesus ouvisse a minha prece...
Ele é bondoso e meigo,
amigo das crianças.
Ao pobre que padece ele enche de esperanças,
nas almas derramando a sua divina luz.
Eu quero ver a Cristo.
Eu quero ver Jesus!"

"Mas, filho meu, não posso.
A minha triste sorte há de levar-me em breve
ao chão da sepultura.
E vê bem!
Qual seria a tua desventura,
se eu chegasse a morrer longe de ti.
Demais,
os homens hoje são piores que animais.
Sem conhecer ninguém,
por todos desprezada,
eu nunca chegaria ai fim dessa jornada.
E tu,
nesta choupana,
entregue ao sofrimento,
sem ter quem te alcançasse
um pouco de alimento,
de fome,
e de miséria,
ó filho,
morrerias.
E, depois,
para quê?
Talvez que esse Messias
já nem exista mais.
Ele veio do Céu,
e Deus o reclamou.
Paciência, filho meu!
Não penses mais em Cristo.
Cristo já morreu..."

"Eu quero ver Jesus..."

Nisto,
abrindo a porta vagarosamente,
tão manso,
e tão de leve que ninguém notou,
com a alegria na face resplendente
Jesus entrou no quarto e disse:

"AQUI ESTOU."

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