segunda-feira, 6 de maio de 2013

Carta a um principiante

Ruth Guimarães 

Releio sua carta e percebo que de maneira “suis generis”, tratando-se de principiante, o amigo vai até o fundo de certos impasses que nos afligem a nós, amigos das letras. 

São vários tópicos contendo dúvidas e esperanças. O próprio teor dela me fez acreditar no amigo, nas suas possibilidades, na sua boa fé e vontade de acertar, posto levantar problemas que afetam e preocupam, como já disse, a gente do nosso ofício. 

Assim, pela ordem, o amigo alude: 

a) à sua falta de base; 
b) à dificuldade de expressão; 
c) à ausência de técnica literária e ao desconhecimento de composição. 

O amigo solicita: 

a) como suprir deficiências; 
b) orientação de leitura; 
c) informes sobre a momentosa questão de aparecer. 

Vamos por partes, devagarinho, e praza aos fados que toda esta conversa lhe possa ser útil ou pelo menos consoladora, que é o mais que se pode desejar. 

“Tendo iniciado a luta pela vida muito jovem ainda, não consegui ir além dos primeiros anos do fundamental, abandonando depois totalmente os livros.” 

Por que não conseguiu ir além dos primeiros anos do fundamental? Teria sido a causa a luta pela vida? Desconfio que não, pois a carta continua, em tom muito sincero: 

“Só agora, já com mais de 30 anos de idade é que compreendi que com um pouco de boa vontade, eu poderia ter completado o meu curso secundário e até mesmo ter feito um curso superior”. Poderia. 

E por que não pode? 

“Acontece que de uns tempos para cá, venho sentido uma grande atração pelos livros. Ultimamente tenho lido muito, tornando-se cada vez maior o meu interesse pela literatura. Mas não é só isso: às vezes sinto um imenso desejo de escrever, de produzir alguma coisa de belo, de útil, de aproveitável e capaz de merecer uma publicação em letra de forma. As ideias surgem então, límpidas e claras, mas, na hora de pegar na pena e transpô-las para o papel, tudo se modifica, surgindo-me à frente de uma série de obstáculos que bem compreendeis de que ordem sejam. Careço dos mais rudimentares conhecimentos de composição, e compreendo que a arte de escrever não é “sopa”, razão por que tomo a liberdade de recorrer a vós, solicitando a vossa valiosa e esclarecida orientação, pois creio que bem orientado e com um estudo profícuo poderei escrever alguma coisa de valor.” 

Para a falta de base, para a falta de conhecimento rudimentares de composição, o remédio é um só: dominar perfeitamente a língua. As escolas aí estão e é seu o problema de como fazer para enfrentar uma. 

Deixe-me dizer-lhe antes de mais nada, e de modo muito enfático, que não acredito em autodidatismo. 

A dificuldade de expressão preocupa qualquer escritor. Alguns, como Eça, escrevem e reescrevem cinco seis vezes uma mesma página. Isto tem que ver com a pobreza da linguagem humana, inepta para exprimir emoções. Resolve-se escrevendo o mais possível. Resolve-se escrevendo sobre o que é de nosso conhecimento. Isto é, é necessário, basicamente, a experiência, como lastro do que se escreve, sem o que a obra perde a validez e a humanidade. Assim, amigo, escreva todos os dias, para treinar a mão e para libertar o subconsciente. É escrevendo que se aprende a escrever, assim como é caindo na água que se aprende a nadar, e errando que se aprende a viver. Quem pensaria em aprender a andar de bicicleta, por exemplo, por correspondência?

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