segunda-feira, 6 de maio de 2013

Cantadores de Piracicaba

Ruth Guimarães 

Zico Mineiro foi a figura máxima da noite. É esguio e negro, com um pixainzinho arrepiado e rugas transversais na testa. A voz é gutural o riso aberto em a. Zico tem uma vida complicadíssima. Dificuldades financeiras e dificuldades com as garotas. Canta sobre o amor, usando quadras do populário — que é o que se chama cantar por cima — na saborosa linguagem popular — ou improvisando — o chamado cantar por baixo. Ele vem logo para o primeiro plano dos cantadores, não como cantador, mas porque é demasiadamente humano, humano de um modo denso e completo que impressiona. E tem uma comovente simplicidade. Conseguiu arrancar dos presentes palmas risos e assobios. Impossível ouvi-lo indiferente, embora se possa admitir — com alguma surpresa por, se gostar dele — que às vezes ele canta mal, como às vezes canta muitíssimo bem. Conseguiu enternecer, encantar e fazer rir. É o mais humano dos cantadores. O mais feio também. E tem uma vaidadezinha que é uma delícia. Acabada a cantoria, lá estava ele todo ansioso, querendo saber se tinha se saído bem. Se se saiu bem? Vejam isto que ele cantou na cana-verde: 

Tenho dois anér no dedo 
Um é de ouro outro é de prata, 
Uai! Uai! 
Um é de ouro outro é de prata, 
tenho dois amor no mundo 
uma é branca, outra é mulata. 

Mas o diabo é que o Zico topou cantador pela frente, e a coisa esquentou. É Agostinho Aguiar quem responde: 

Que uma é branca outra é mulata, 
Mineiro ocê falou! 
Roda morena! 
Mineiro ocê falou, 
mas tou bem desconfiado 
que a cigana te enganou. 

Ouvem-se grandes risos aprovativos. Os repentistas aliam, num sincretismo incrível— analfabetismo, poesia, sangue-frio, ingenuidade, e um completo "estar em dia" com a vida piracicabana. Zico Mineiro cantou mais uma trova do populário: 

A folha da bananeira 
de madura amarelou. 
Uai! Uai! 
De madura amarelou, 
a boca do meu benzinho 
de tão doce açucarou. 

E lá vem a pronta resposta de um repentista atualizado: 

De tão doce açucarou, 
foi o que o Zico falou. 
Roda morena! 
foi o que o Zico falou 
foi por isso que o açúcar 
tão depressa racionou. 

Consegue-se falar com os violeiros, nos bastidores. Estão todos reunidos e olham uns para os outros, indecisos, numa evidente defensiva. Mas são delicados, têm um certo traquejo e a consciência de terem cantado "no certo". Agostinho Aguiar convida gentilmente para o cururu no outro dia. 

— Tem cururu lá em casa às três horas. 

Cumprimentam e saem sobraçando as violas, sonhando quem sabe que sonhos? 

Com certeza que 
a boca do meu benzinho 
de tão doce açucarou, 
para compensar a escassez do outro açúcar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário