quinta-feira, 2 de maio de 2013

A vida e mar

Ruth Guimarães

Como uma flor azul se abriu o mar, e se estendeu cambiante para lilás e malva, em ondas de pétalas móveis, rolando em direção do horizonte. O sol transformou em jóias as pedras ancoradas na espuma. A espaços, o monstro aquieta o dorso e se revolve todo em roxo-marinho, pontilhado de sol. Estas areias de Amaralina e da Pituba, do rio Vermelho e de Itapuã – as praias mais belas da Bahia – não são finas, como as de Santos, nem douradas como as monazíticas do Espírito Santo, nem bege claro, como as de Caraguatatuba, mas grossas, ásperas, fugidias, de um amarelo cor-de-palha. E o mar é denso de tanto sal. Parece que estamos nas praias dos primórdios do mundo. Elas são uma faixa estreita, em declive abrupto. A onda bate raivosa, retirando o apoio de sob os corpos dos banhistas, mar temível. Para além dos rochedos, além do mistério da água profunda, temerosa, dorsos cinzentos de meros e tubarões sugerem botes traiçoeiros e morte. No entanto, o dia é de uma beleza comovente. Numa choça coberta de palha de coqueiro, um homem vende coco verde. O líquido de que o fruto vem cheio, tem um gosto acre, adstringente, fica na língua por muito tempo. Mais gente vende coco. Um golpe de faca faz da fruta uma vasilha original, verde-claro, cheia até as bordas. Depois de bebido o líquido, outro golpe certeiro de faca destaca da casca lisa do fruto uma lasca: é a colher para comer o creme que contém, macio, friozinho, adocicado.,. Também se vende manga-espada, doce como o mel. E mais doce ainda é a cana descascada, cortada em roletes, vendida nos balaios, por meninos (Que esta tem a doçura e a maciez das palavras de amor). À medida que o dia avança, no mesmo ritmo lento que na Bahia caracteriza os gestos – de trabalho ou não -, as redes continuam sendo levadas para longe, na água grande. Estendem-se sobre o mar, espuma de fino lavor, crivo, névoa, renda. É a pesca do xaréu que se prepara e que começará daqui a pouco, mal o sol comece a declinar, e o lilás se acentue até atingir o roxo-senhor-dos-passos na onda móvel.

As frondes se aquietam, pois o vento pára a sua sarabanda, o sono toma conta dos mortais e das coisas. Nem mesmo a areia canta sob os passos. O pássaro já não esvoaça nem gorjeia. A rede se esticou até bem longe. Atrás das malhas desliza o peixe de prata e sal. Diante delas, homens de bronze, de granito, de silêncio, seguram a rede que vem no arrastão. No ar tranqüilo ressoa um ritmo fundo:

O pescador puxa a rede no mar... 

O pescador puxa a rede no mar...

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