segunda-feira, 22 de abril de 2013

Urbanas

Ruth Guimarães

Perambulava eu pela rua Duque de Caxias, em busca de algum vago presente de Natal, de alguma vaga casa de rendas ou de cristais, sei lá, queria era andar, passar para a Sebastião Pereira, fruir a delícia brasileira e não-paulistana de vir de não sei onde, e ir para não sei onde, sem finalidade nem pressa. Era a hora em que as pessoas começam a caminhar para a frente, com longas passadas elásticas, ou um atropelo de passos curtos femininos, teque, teque nas calçadas, com essa determinação terrível dos que buscam a condução de casa – com essa implacabilidade dos que pensam na sopa quente e no chinelo. Conhecem esse jeito cego de correr. Cadê que se enxerga quem vai ao lado, a tristeza de um e de outro, as emoções deste ou daquele? O objetivo é um ponto próximo ou remoto, que concentra a atenção e não nos deixa olhar em torno. E ai daquele que anda devagar, contando os passos. Pode não levar um esbarro, mas quanta maldição não lhe cairá nas costas tranqüilas! Como se não fosse um direito seu andar como lhe apraz.

E vai daí deparei com duas coisas comoventes – uma mulher ainda bonita, quarentona, com um ar tão esplendente de felicidade, que parecia sorrir para quantos encontrava. Não sorria para ninguém, evidentemente, senão para o animado semblante ou cena que trazia na memória.

E por que não para um amor? perguntarão – que a idade outonal não nos defende das paixões, pelo contrário. Mas não. O rosto da mulher apaixonada reflete muitas emoções contraditórias, mas júbilo nunca. O amor de mulher para homem vem impuro de muitas angústias, parar mostrar-se jubiloso. Podia ser que se tratasse do filho que teria um de vinte e poucos anos. Ter-se-á formado nesses idos de dezembro e ela o lembraria de beca e capelo, com seu rosto jovem e seu formoso e aprumado gesto, inconscientemente solene, por influência da hora. Ou terá ele chegado de longa viagem, com um riso nos lábios, doce compensação da amargura ausência. Ela o iria encontrar agora – na estação? No cais? Ali na esquina, onde acabou de telefonar, antes de tomar um táxi? Não era isso, ela ia sem pressa. Ou terá ele sido salvo da morte? Ou de um perigo bem mais grave? Ou deixou de atender ao apelo de uns braços sedutores e pecaminosos, para voltar ao remanso do carinho materno? Ou terá ela própria triunfado da tentação e vai assim, com um ar de ação de graças? Ou teria sido a netinha que, naquela manhã mesmo, com uma boquinha macia, cor de rosa, pronunciara vovó, pela primeira vez? Que terá sido? Que iria ser? Que aleluia? Que alvíssaras? Sei que ela levava a sua alegria, caminhando de leve, e era como se uma lâmpada suavemente a iluminasse.

A segunda coisa linda foi que um adolescente magrinho tinha na mão uma rosa.
Botelho Netto

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