quinta-feira, 25 de abril de 2013

Rico não morre?

Ruth Guimarães 

A região que vai de São Tomé a Ubatuba, isto é, parte do Espírito Santo, o estado do Rio de Janeiro, parte do estado de São Paulo, o Vale do Paraíba, entre a Serra dos Órgãos e a Serra da Mantiqueira, tudo isso constituía o pais dos Tamoios. 

Havia ali uma densa e rica floresta de pau-brasil, chamada pelos índios ibirapitanga. Tratava-se de certa madeira de estranho colorido e árvore tão grossa que (adulta) três homens de mãos dadas não lhe abraçariam o tronco. 

Os tamoios praticavam, quase desde o descobrimento, a partir de mais ou menos 1504, o escambo com os franceses, corsários e piratas, eis que os donos da terra, os descobridores lusos, tinham-na deixado ao abandono. Viviam na região cerca de dez mil nativos. A barganha era feita de bugigangas, espelhos laços e fitas, vasilhas, machados, facas, contra a madeira cor-de-brasa, trazidas ás costas pelos índios e levadas por eles em canoas, para os navios dos brancos. 

A propósito desse escambo e desses Tamoios, conta João de Lery um curioso episódio, que dá bem a medida de como são os chamados civilizados faltos de sabedoria e da arte de viver, se os compararmos aos silvícolas. 

Um velho índio, intrigado com toda a agitação daquela gente que gritava e exigia e pedia, e tinha tanta pressa e tanta afã, perguntou: 

-Por que os brancos precisam tanto de ibipitanga? 
-Para o mesmo que vocês – explicou o homem que estava dirigindo os trabalhos, um francês apoplético, pouco menos vermelho que o pau-brasil – O mesmo que para vocês. Toda essa madeira vai ser usada em tinturaria. 
-E isso é tão importante assim? Nós também usamos a tinta desse pau, e que eu saiba nenhum índio perdeu a calma, nem se afobou por causa da tinta. 
-É, meu velho. Isso para nós representa lucro. 
-e o que é lucro? 

-Montes, montanhas de dinheiro. O homem que comercia com pau-brasil fica rico. Consegue uma fortuna. Com ela poderia comprar a floresta inteira de vocês. 
-Dinheiro – resmungou o índio – comprar... E esse homem rico não morre? 
-Morre. 
-E leva a fortuna? 
-É claro que não. 
-E onde vai parar o dinheiro? 
-Fica para os filhos. 
-E quando não tem filhos? 
-Tem sobrinhos, irmãos, parentes próximos. 

O velho índio resmungou consigo mesmo em pouco. 

-São loucos – decidiu. – Atravessar o mar, correr riscos, perder tempo, trabalhar e morrer, para amontoar riquezas destinadas aos filhos e parentes. 

O selvagem ficou calado por algum tempo, remoendo. 

-Então o homem branco gosta demais desses sobrinhos, irmãos e parentes? 
-Nem sempre. Ás vezes até os odeia. 
-Ainda não deu para entender. Vamos voltar ao pai e ao filho. A terra que alimenta o pai não é o suficiente para alimentar os filhos? 
-Naturalmente. 
-Nós também temos filhos – conclui o velho – Temos filhos a quem amamos. Estamos certos de que a terra que nos nutri os nutrira também. Não andamos correndo atrás nem de dinheiro. Nós descansamos sem cuidados.

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