Ruth Guimarães
Um fato notável na infância de hoje é que ninguém se interessa mais por histórias, principalmente as de encantamento. Quando muito assiste-se entre uma coca-cola e um x salada, um tanto enfastiadamente, aos desenhos animados de Branca-de-Neve e de Aladim e sua Lâmpada Maravilhosa. E por que esse desinterresse por histórias que há milhares de anos vem entretendo as sucessivas infâncias? Não se espantem, milhares, sim. A de Cinderela foi encontrada num pergaminho do alto Egito de há três mil anos, numa versão tal e qual a nossa. E o que serviu durante tanto tempo, por que não servirá mais?
Lembro-me de que, certa vez, ao contar a história do Pequeno Polegar, e de suas Botas de Sete Léguas, um dos meus filhos (hoje um quarentão, mas na época mudando os dentes da frente) não conseguia entender o como do tal Pequeno Polegar se transportar de um lugar para o outro, em um momento, apenas dando passadas largas com a bota encantada. Os adultos às vezes não entendem mesmo as coisas, e precisam discutir para clarear as idéias. Na Idade Média, graves doutores da igreja debatiam se os anjos podiam ir de um lugar para o outro, sem passar pelo meio.
A história tinha empacado na palavra légua, porque o Pequeno Polegar ia para muitíssimo longe dando passadas enormes, pois tinha calçado a bota de sete léguas.
- Légua, o que é isso?
- Uma légua, informei – tem seis mil metros. Seis quilômetros. Uma distância como daqui até a Bocaininha.
- Ora! Cinco minutos de carro.
- A pé – disse eu. – Naquele tempo não havia carro.
O mais velho resolveu intervie:
- Mas o Pequeno Polegar ia assim – disse ele, estalando dois dedos.
- É. – disse eu
- É o que? Ainda não entendi.
- Não entendeu o que? Ele ia num pulo. Ia por mágica. – Eu não sabia mais como sair daquela.
O mais velho, do alto dos seus dez anos, veio em meu socorro:
- Você não vê que ele tinha um jato?
- Ah!
E nenhuma pergunta mais foi feita. Nem quando, no espelho mágico, a princesa via tudo o que acontecia no mundo: no céu, no ar, no mar, porque eles concluíram com a maior indiferença:
- Era a televisão dela.
Um dos pequenos deu voz a uma dúvida que acabou de desmoronar o milagre dos objetos mágicos:
- Colorida?
Estão vendo como a Bota de Sete Léguas perdeu para o avião a jato, e como o espelho mágico não suporta o confronto com o vídeo.
Voz ouvida de pessoas invisíveis, na televisão e no rádio, alcançar a lua em pífios foguetes saídos dali mesmo do cabo Canaveral, andar pelo fundo dos mares, nesses submarinos que atravancam os mares. Devia ser proibido andarem esses velhos velhos por aí.
Pois é isso. Todos os velhos sonhos humanos, ou quase todos, foram ultrapassados pelas invenções. E por isso as histórias maravilhosas perderam o seu prestígio. Tudo isso no que tange as maravilhas materiais. No espírito de cada um a realidade é bem outra. É evidente que a mente da humanidade em geral, do homem médio, não seguiu as maravilhas da Ciência.
Ainda precisamos dos velhos contos, do seu mistério, do seu símbolo, para crescermos harmoniosamente e atingirmos sabedoria.
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