terça-feira, 23 de abril de 2013

Os cem anos de Érico Veríssimo

Ruth Guimarães 

Érico Veríssimo era figura familiar nas ruas de Petrópolis, o elegante bairro portoalegrense. Quando o procurei em certa tarde de outono, a luz era macia sobre os cinamomos, perfumados, a aragem fina e doce. Sob as árvores, Érico andava a pé todos os dias. 

Magro, as sobrancelhas cerradas, boca expressiva, voz grave, o passo vivo e ágil. 

Os olhos negros no rosto alongado conservavam um alheamento sem idade, muito antigo e muito triste, que lembra os velórios dos seus inúmeros livros. Lembram o desencanto do moço Amaro, de Clarissa ou de Música ao longe. 

A casa de Érico na rua Protásio Alves, sossegada e clara, sempre era encontrada largamente aberta, como um gesto de boas-vindas silencioso, pormenor que define o homem e nele o seu povo gaúcho. Salas amplas, algo sombrias. Lombadas solenes de livros. Sobre os móveis o toque vivo de figuras de artesanato popular, que o criador da suave Clarissa, da vívida Olívia, da corajosa Ana Terra, trouxe das suas andanças. 

A importância da obra de Érico Veríssimo está sendo ressaltada pelos contemporâneos. Os seus livros são lidos nas escolas, como leitura subsidiária. O seu nome foi lembrado como indicação para o prêmio Nobel, de vez que, desde o Fantoches, até a Trilogia de o Tempo e o Vento, vinha ele se afirmando numa ascensão contínua. Com o advento da televisão, aconteceu a divulgação da mais vigorosa de suas obras, em que um dos personagens é o vento, e o outro a dura, a áspera, a estranha Ana Terra. Quem não o conhecerá depois disso? 


Érico é o narrador inimitável, rapsodo de sua terra e de sua gente, servido por uma língua que tem fluência e flexibilidade e por um senso de construção que nenhum outro apresentou até agora. José de Alencar e Érico Veríssimo são os mais romancistas de nossos romancistas. Tanto lhe reconheceram esse mérito os norte-americanos que um dos convites que teve para ministrar aulas no grande país vizinho solicitava antes de tudo que falasse da estrutura dos seus romances e como erguia os tipos. Quando eu lhe disse certa vez que Érico, ele, Érico era mais romancista que Machado de Assis, ele teve um alegre e sincero riso de protesto: 

- Nem tanto. E não é caso para o Nobel como se cogitou. Mas também não estou decadente, como se disse num suplemento literário, em Minas. Continuo trabalhando com a mesma disposição e rendimento. 

E os que acompanharam sua carreira – acrescentemos – sabem que cada um dos livros é melhor do que o precedeu. 

- Não há nenhum segredo para o sucesso – diz ele em mensagem para os jovens. – O sucesso vem do trabalho e da perseverança. Ao passo que muitos, até com bastante talento para a literatura, se dispersaram no jornalismo e em outras profissões, eu apenas escrevi. Nunca fiz outra coisa. Sou homem da pena. Sou escritor única e simplesmente. Vivo de escrever. A minha popularidade vem naturalmente desta vida inteira dedicada a uma vocação. 

Também vem de que sua obra mergulha fundo no sentimento de brasilidade, nos costumes de uma terra que é sua e que ele representa na íntegra, em autenticidade.

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