quarta-feira, 24 de abril de 2013

O tempo é o fluir da história

Ruth Guimarães

Parece-me necessário observar que a maioria das histórias brasileiras são variantes de contos recolhidos também na tradição oral e belamente recontados por Grimm, por Andersen, por Perrault, que há um século já sabiam o que convinha à criança. O que inspira bons pensamentos ao imaturo, ao simples, ao rústico, inspirará bons pensamentos à criança. A maioria dos contos tradicionais do Brasil é de procedência europeia, veio através dos recontos orais do português descobridor e colonizador. Temos porém, ainda, as lendas ameríndias e as africanas.

As lendas indígenas, primeiramente as colheram os viajantes estrangeiros, Baldus, Hart e outros, e depois bem mais tarde, os nacionais, Sílvio Romero, Barbosa Rodrigues, Afonso Arinos, Basílio Magalhães, J.Silva Campos.

As africanas são mais raras, algumas simples variantes que o negro introduziu em histórias europeias. Muitos contos dos bantos, nagôs e jejes, são histórias europeias, recontadas pelos negros que lhe imprimiram sua rude singeleza.

Tratando-se de contos tradicionais brasileiros, não comparecem fadas, nem as ninfas, líricos duendes de outros povos. Mas vamos conviver numa sociedade fantástica de que fazem parte o Caipora, o Saci, o Quimbungo, o Bicho Comunjarim, o Negrinho do Pastoreio, a Mãe-de-Ouro, o Caboclo-d’água.

Minto. Temos uma fada, sim. Nossa Senhora, a doce e suave protetora dos desvalidos, sempre aparecendo na figura de uma velhinha corcovada, rezadeira.

Esse será o primeiro critério: a coisa comprovadamente nossa. E, para que se possa responder pela pureza da colheita, mister foi buscá-la no meio rural, nas cidades pequenas, entre gente analfabeta, que jamais leu um livro, que jamais ouviu falar de livro, a não ser da Sagrada Escritura e do Livro de São Cipriano e (isto existe, sim) que jamais ouviu um programa de rádio: dona Maria de seu Oliveira, remendona, que costurava na máquina de mão, contando casos ao compasso de um barulho assim: jeng-jeng, jeng-jeng; e o sêo Pedro Santeiro, fazedor de poços e não de santos; “Seu Leopordo-vam-entrá-de-acordo”, que chamado por este apelido desanda num chorrilho de palavrões; e Mané Borges, pescador, e nhô do Rafaé, sitiante; Siá Marica, uma velha cega, costureira de carregação e doceira nas horas vagas, no tempo em que enxergava; Siá Liduvina, que fazia uma fogueirinha de cavaco na calçada e ficava aquentando fogo e contando lérias. Em Cachoeira Paulista, na Rua de Baixo, aliás, Rua do Sapo, aliás do Mercado, aliás do Caçamba, aliás do Cascudo; na placa está escrito: Rua Prudente de Morais.

Histórias gostosas são as das noites de São Pedro e São João. Junto às fogueiras ninguém é solicitado por tarefa alguma. É só ficar de mão no queixo, sentado em cima das toras, escutando. O círculo das caras atentas arde ao calor das chamas. Todos se voltam para o narrador, num tropismo original.

Não é que o tempo esteja sobrando, não é isso. Em verdade, não existe mais o tempo. Acabou-se o seu império sobre os homens. Não se cuida nem de hora, nem do correr dos instantes. O tempo é o fluir da história. Tempo e espaço se contam na vida dos príncipes, das princesas, do seu povo encantado.


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