Ruth Guimarães
Suponhamos que o mateiro vá derrubar uma árvore, seja o jequitibá anoso, seja a dura peroba. Como se conhece o velho tronco a ser condenado? Pela casca rugosa, pelas trepadeiras que o enlaçam, pelos nós, pelos galhos secos, entremeando a fronde verdejante. Ao primeiro olhar, o lenhador o marcará para o corte. Esse já concluiu o seu tempo. Cortar. E lá está a palavra grave do Eclesiastes: o número dos dias do homem, quando muito, são cem anos. Mas qual gota d’ água do mar, ou grão de areia no deserto, assim são esses poucos dias comparados com a eternidade.
E então? Sabemos quando vamos morrer?
Sabemos.
Os mensageiros da indesejada vêm na frente, nítidos. Não é possível o engano. Os arautos estão chegando. Quantos anos nós temos que durar? Menos de cem, como todos sabemos dentro dos nossos corações? Ou os médicos é quem sabem? Ou é a ciência que sabe?
Muitos dirão que a doença vem na frente. Ora, velhice não é doença. Os arautos são o desgaste e o cansaço. Nada neste mundo pode comover as forças naturais. Viver e morrer pertencem ao mesmo ciclo. Nada mudará para satisfazer o ego de ninguém. A natureza é absolutamente impassível. Nem alegre nem triste, nem cruel nem compassiva. ‘’Na natureza não existem prêmios nem sequer punições. Existem consequências.’’ Isto diz James Whistler. Isto todos sabem. Os arautos todos conhecem. Vemos nos outros e o nosso espelho nos mostra: o rosto, os olhos sem brilho, os cabelos brancos, os dentes gastos ou a falta deles. Demais os movimentos tardos, o andar arrastado, os gestos difíceis. A respiração entrecortada ao menor excesso. De repente vai-se fazendo o vazio em torno de nós: os colegas de escola, o namorado, a que foi namoradinha na adolescência. Ora um ora outro, desaparecem os nossos amigos, os coevos. Chega de avisos? chega. De repente percebemos que tivemos a nossa hora de aprender, a nossa hora de amar e agora é a hora de morrer. A natureza não se comove com o nosso medo. O nosso ciclo biológico é o nosso ciclo biológico.
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