Ruth Guimarães
Quando entrei, a noiva não tinha chegado ainda. Seis horas soaram no pequeno templo, havia alguns curiosos, e a igreja de Nossa Senhora do Belo Ramo, nome que sugere ermidas em serras de Espanha, misturava estranhamente um ar moderno, informal, com o adro à antiga, que a cercava inteiramente. E lá me vinham à cabeça lembranças das pantomimas, Rosa do Adro, e romances de Ermilio de Richburg, que, quando eu tinha dezessete anos, o Fernando Góis me acusava de ler. Eu negava, mas lia. Pensava todas essas coisas, porém nada me emocionava. A igreja era moderna demais, parecia uma sala de visitas, clara, bem arranjada, quase sem santos, e em verdade nenhum daqueles de ar dolorido, que parecem censurar à gente as alegrias da vida. O que não me atraiu até hoje no protestantismo, nem nas práticas espíritas, foi a coisa muito raciocinada, muito explicada. Religião, cá no meu fraco entender, justamente porque não explica o principal – Das Desigualdades – precisa, como o amor, de uma certa penumbra. Sábios eram os antigos. Jeová, que conversava com os homens, não os ia esperar para as ruas calçadas de pedra, nem nas tendas onde se vendiam frutas. Aparecia-lhes entre raios e trovões, a cabeleira intensa, a barba de nuvens, o vozeirão de bronze, os olhos de fogo, quão terrível! E nos altos cimos, coroados de nimbus, e entre sarças ardentes.
Entendia a velha divindade do valor do “background”. Imaginem se O encontrássemos no Viaduto, vestido como um rapaz direito, terno de “nycron”, comprado em dez prestações. Bom dia, seu Deus, o Senhor vai passando bem? E a família? Qual! Não há Deus que resista a um tratamento desses. Aliás, foi feita uma experiência, e quanto dói mencioná-la! pois não só não creram n’Ele, mas foi cuspido, açoitado, escarnecido, crucificado, espetaram-n’O com a lança, e sortearam nos dados os Seus vestidos. O que vem corroborar a minha idéia de que entre homens e deuses toda a distância é pouca. Pois o casamento tardou mas chegou. Linda cerimônia, que o digam os que dela participaram em emoção e silêncio, com um sim a custo pronunciado, que a voz se tranca na garganta. Só dois no mundo inteiro, na luz dourada que vem das altas velas de cera, de chamas oscilantes, nos altares.
Foto de Botelho Netto |
Nem nos ocorreria perguntar como o poeta: “Que diz o padre numa língua estranha?” É Deus quem nos fala e não Lhe fica bem falar em português, como qualquer funcionário público. Pois esse sacerdote, este que estou vendo e ouvindo, que parece homem inteligente e fala com facilidade e certa poesia, não disse nada em língua estranha. Entendíamos tudo o que dizia, lá se foi o mistério. Não vi os anjos adejando pela nave, com asas de luz e perfume de incenso. Na igreja iluminada (demais) eles não tinham onde se revelar.
Não há como escolher. Amigos, casem-se na Santa Ifigênia. Ali os irei ver trocando alianças. Os bancos são longos, a nave é sombria, os dourados luzem entre escurezas, brilha lividamente a brancura das toalhas de linho. É um lugar de encontro. Favorece a concentração, o silêncio, o pensar e o sonhar. Lá, às vezes, me encontro comigo mesma. E, se não me encontro com Deus, a culpa não é d’Ele, talvez; pode ser que não seja minha; mas da igreja é que não é, certamente.
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