segunda-feira, 22 de abril de 2013

Dia brasileiro

Ruth Guimarães

E como hoje, Clarinha, eu subisse a serra, numa velha chocolateira balouçante, dei com as encostas em festa, pintalgadas de lilás e branco, uma beleza! As quaresmeiras floresceram todas ao mesmo tempo, provocando a primavera tardia da montanha. Parecia que a luz havia enlouquecido. Cristalizava-se e caía em grandes pingos sobre o verde-escuro das matas da serra. Ou quem sabe os anjos andaram brincando de recortar pétalas com aparas de nuvens do crepúsculo, quando o sol morrente as ilumina de leve, com a cor das gencianas. Como crianças arteiras, deixaram cair muitas, esvoaçantes, tão leves, tão lindas, na folhagem densa. Imediatamente me lembrei da quaresmeira da granja, de um alegre tom vistavision, fazendo um figurão entre os cachos de acácia-rosa, que apesar de se chamar rosa bem que floresce em ouro. Atrás das acácias se estende o jardim tropical, onde a alcatifa do gramado é interrompida pelo verde-petróleo das bananeiras nanicas, pelo verde-gaio das palmas de largos gestos, das laranjeiras que o vento balança, espargindo perfume. Nessa paisagem, com um ouvido atento ao canto dos pássaros, o dr. Darwin, fazendeiro ad-hoc, com a camisa solta, um boné de xadrez e uma foicinha na mão, passeia o seu encantamento pelas coisas da natureza. A foicinha é apenas decorativa. Lembrança puxa lembrança, vejo a imensa varanda com as grandes redes brancas, franjadas.
 

Gostosura maior neste mundo não existe que deitar na rede, para ouvir o curiango gemente, de tardinha. Ao impulso do pé, a rede, rangendo, responde, em dois tons, à cantiga plangente: nhen...nhen. Gostosura maior neste mundo não existe que se balançar, sentindo o cheiro quente da manga madura que nos traz o brando zéfiro. Uma vaca mugindo, o passaredo cantando, um livro aberto, a mão negligente, o gesto largado, os olhos dolentes de cansaço ou de sonho. Não é isso a felicidade? No açude, lá para trás, as traíras bobas estão picando. Quem vai pescar? Eu não! Ai, que preguiça! 

E quem quer ir tomar leite da Brejetuba? Já de pernas traseiras amarradas com o laço de couro, o espanador do rabo se agita para lá e para cá. Seus olhos de Juno param cismarentos naquele capinzal verdoengo, verde olente, verde macio. (Vaca pensamenteia alguma coisa?) O leiteiro já sentou no seu banquinho de um pé só. O leite esguicha gordo espumento, branquinho, quentinho. Quem traz o copo? Eu não. Ai, que preguiça! 

E quem quer subir o morro, para ver lá de cima o glorioso verde das pastagens, o vale florido, aquela paineira que é um cor-de-rosa só, de ponta a ponta da umbela, o riozinho de prata, o calmo espelho do açude? Ai! Deixem para julho, que preguiça! Em julho, a gente sobe. Deita no chão. Rebola na grama. Solzão esquentando. Se rodar lá de cima, pelo declive, não machuca, o cupim não para? Ai, que preguiça!

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