quarta-feira, 24 de abril de 2013

Da agricultura

Ruth Guimarães 

Essa historia de lavrador perder porque colhe demais e porque colhe de menos, perder quando chove e quando não chove, perder quando o Governo financia e quando não financia, até me faz lembrar os dois caipiras que foram tirar cipó no mato. Um subiu pelo cipó, calculou uma extensão boa, dava para fazer muita cesta e trançar muita corda, cortou abaixo de si com a foicinha e ficou pendurado no alto, sem meios de descer. O compadre que estava com ele quase morreu de rir. Uai! E como é que eu ia cortar? Cê vai ver. Marinhou pelo cipozão, chegou bem no alto, perto das pontas folhudas da árvore, cortou um palmo mais ou menos acima da sua cabeça, e despencou no chão feito uma abóbora podre. (Uai! Eu não sei como se corta cipó.) 

Há uns anos, ou melhor, há muitos e muitos anos, os fazendeiros do Vale do Paraíba entraram em greve para conseguir o aumento do leite, sem o que não conseguiriam sobreviver. Vaca não quer ouvir falar de greve, e Deus não colabora pois o leite tem que ser tirado todos os dias. A greve consistia em deixar de o entregar às cooperativas de laticínio para ser pasteurizado e encaminhado a São Paulo. A princípio os fazendeiros – e são cerca de quatrocentas as fazendas só no município de Cachoeira Paulista – distribuíam-no pela população. Apareceu um fiscal do Governo em nome de não sei que lei da Saúde Pública, que proibia a distribuição do leite não pasteurizado. A cooperativa pasteurizava para vender, não para dar. Desse lado, nada feito. E os fazendeiros, compassivos, ou avarentos, ou temerosos do castigo divino, sei eu, tiveram que fazer como se havia resolvido no começo: jogar o leite fora. 

Pois desses quatrocentos fazendeiros, calejados no negócio, donos de fazendas que passam de pais para filhos há dezenas de anos, nem um havia, mas nenhum mesmo, que tivesse condições, material rústico, tachos, fogões de tijolos com grandes trempes, para improvisar uma fabriquinha de cocada de leite, e nem um, nem um mesmo, tinha uma queijeira. Para enfrentar uma eventualidade estavam completamente inermes. E o leite foi jogado no Paraíba. Durante dias, até que se normalizou a situação e foram ouvidos os pleiteantes, o Paraíba corria esbranquiçado, grosso, leitoso, com mais de trinta mil litros do líquido que fazia falta a milhares de crianças, misturado às suas águas. 

Os nossos índios já conheciam a historia dos macacos jurupixuna, os de boca preta que, entanguidos de frio e molhados nos dias de chuva, se lembravam que precisavam fazer casa. 

Isso os macacos. 

Mas entre os humanos é levar um pouco longe demais a observância às formosas palavras de Cristo: e assim não andeis inquietos pelo dia de amanhã... 

Pois acontece que o dia de amanhã já é hoje.

Nenhum comentário:

Postar um comentário