Ruth Guimarães
E como está chovendo, chuvinha criadeira, gelada e imponderável como um véu de névoa apenas, tão fina! Quero pôr na terra a semente. É estranha, grande, preta, quase um caroço.
Como a semente é bonita: sadia e bem granada, de casca lisa e unida. Não tem depressões e não se enrugou. Ovalada, chata, brilhante, com uma risca branca quase no centro, o que lhe dá ares cômicos de careta.
Achei-a atirada à beira de um caminho, longe de árvore, não reconheci o fruto de onde provinha. A semente de jenipapo é marrom, não assim, a de fruta-de-conde é menor e maias fosca, a de fava mais delgada, a de caqui lembra o melaço apurado, na cor e no liso, a do ingá... será ingá? Será jataí? E como não sei de que planta se trata, como posso saber de que terra gosta, se a vermelha, própria para os pessegueiros, se de alagadiço onde dá o maricá, se a gorda estercorosa, boa para abóbora e melancia? Se é fruta do quente, como a manga e a goiaba e a pitanga e o araçá. Se é fruta do chão paulistano, de muito frio e de muita chuva, terra mãe de pera dura e ameixa. Onde frutificaram as nogueiras, onde os castanheiros jogam para o céu a galharia imensa, os pinheiros vicejam, a macieira e a cerejeira florescem. E até azeitona, se for plantada, dá.
Para essa semente de-não-sei-o-que o buraco não precisa ser grande, bobagem procurar a enxada que anda pelo quinta, jogada ao Deus-dará, enferrujando. Basta o facão. Bastam as mãos. E abro uma cova de meio palmo, na terra fofa, dos fundos perto da cerca. Ali está deitada a semente, promessa de vida, e sobre ela desce a terra peneirada, fina como farinha, e os terrões úmidos que se quebram, desbrugados entre os dedos, e por cima a terra solta da superfície. Acabou-se o trabalho e começa o mistério. Terminou uma vida e principia a ressurreição. Chove. Vejo no céu os anjos de mãos postas, chorando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário