O quintal da “bruxa”, como era carinhosamente chamada Ruth Guimarães por seu filho de número 4, Joaquim Maria Guimarães Botelho, estava diferente das vezes em que lá estive para prosear com minha professora: a mangueira centenária estava carregada de flor; o pé de mamão, mais alto do que a cumeeira do telhado, farto de frutos; o terreno ao lado da casa, varrido; as cadeiras branquinhas de paz aguardavam a chegada dos convidados (mais de 100!); a mesa decorada com toalha de chita ofertava café coado na hora, bolinhos de chuva, bolo de fubá e outros quitutes… A festa? A criação do Instituto Ruth Guimarães!
A anfitriã também estava presente, mas de um modo diferente. É sabido que Ruth foi dar um passeio no céu no dia 21 de maio de 2014 e não voltou mais para sua chacrinha em Cachoeira Paulista. Entretanto, em seus escritos, “viaja a voz que sem a boca continua”, e, a atriz Mara Céli, sabendo dessa verdade dita por Eduardo Galeano, emprestou os textos de Ruth para trazer de volta, nesta memorável celebração, a alma de Ruth. Ruth professora de Língua Portuguesa. Ruth esposa enamorada do primo Zizinho, o fotógrafo José Botelho Neto. Ruth mãe de Marta, Rubem, Antônio José, Joaquim Maria, Judá, Marcos, Rovana, Olavo e Júnia. Ruth autora de 51 livros e outras obras inéditas…
A menina que nasceu em Cachoeira Paulista, aos 13 de junho de 1920, e estudou Letras Clássicas na USP, foi a primeira escritora brasileira negra do século 20 que conseguiu projetar-se nacionalmente desde o lançamento do seu primeiro livro, o romance Água Funda (1946), obra que até hoje tem sido reeditada graças ao sucesso de público e de crítica.
De suas histórias de professora, romancista, contista, cronista, poetisa, teatróloga, tradutora, jornalista, e, mais do que tudo, uma pesquisadora apaixonada pela cultura valeparaibana, muito temos para contar!
Estudiosa da cultura popular, Ruth Guimarães escreveu sobre o folclore, lendas e fábulas brasileiras, além de livros sobre medicina popular. O gosto pelo folclore brasileiro e regional pode ser considerado uma das mais expressivas contribuições dessa escritora valeparaibana à Literatura Brasileira. As histórias que só ela soube pesquisar e registrar em livros, contar e recontar em suas aulas e conferências, entrevistas e colunas em jornais (Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal O Valeparaibano e outros) merecem lugar de honra nas universidades e escolas brasileiras e estrangeiras!
Aos 88 anos, a “menina grisalha de Cachoeira Paulista” ganhou projeção nacional ao ser eleita para a cadeira 22 da Academia Paulista de Letras. Toda semana, Ruth se deslocava até o Largo do Arouche, em São Paulo, para prestigiar o famoso “chá das cinco” da Academia. Caipira do Vale do Paraíba (assim como eu), retomou a pesquisa dos causos de nossa cultura popular. Em sua máquina datilográfica, virava as noites trabalhando. Ao partir, sua tão sonhada obra ficou à deriva, aguardando o porvir…
Para que o legado dessa tão nossa, tão brasileira e ainda tão desconhecida escritora valeparaibana viaje na voz das crianças, dos jovens, dos homens e mulheres de nosso país, criou-se, na tarde do dia 18 de agosto de 2019, o Instituto Ruth Guimarães, na rua Carlos Pinto, 130, em Cachoeira Paulista.
A proteção e divulgação, edição e reedição, promoção e fortalecimento do seu incansável trabalho em prol do folclore e da cultura regional ganham o apoio de outras mãos (dos filhos, amigos, ex-alunos, pesquisadores e escritores), na tessitura ininterrupta dos sonhos desta guardiã da cultura valeparaibana e, por isso, tão querida de nossa terra, de nossa gente e de todos os municípios do nosso tão caipira Vale do Paraíba!
Juraci de Faria Condé
Texto publicado no Jornal A Tribuna do Norte, em 22 de agosto de 2019. Pindamonhangaba, SP.
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