quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O Sonho

Ruth Guimarães

Qual o melhor, o mais cobiçado e buscado de todos os sonhos? Evidentemente o sonho de ganhar dinheiro sem esforço. Até Jeová parece que estava de acordo com esta opinião, pois quando o homem, o primeiro homem, pecou por desobediência e curiosidade, o castigo foi ele conseguir o sustento com o suor do rosto, maneira metafórica de dizer: Vá trabalhar vagabundo. 

E assim, nosso pai Adão e nossa mãe Eva foram expulsos do Paraíso Terrestre, Éden chamado, onde viviam esplendidamente, comiam, bebiam, não precisavam comprar roupas em butiques. Em suma: não trabalhavam, nem pagavam. 

Onde estaria situado este tal Jardim do Éden? Consta que regado por quatro grandes rios: o primeiro é o Fison, que contorna todo o país de Evilat, este onde ouro brota da areia. O segundo é o Gion que rodeia a Etiópia. O rio Tigre é o terceiro, encaminha-se para as bandas dos assírios. O quarto rio é o Eufrates. 

No começo, quando Terra e mares estavam recém-criados, Geo, a Terra, produziu erva verde e árvores que davam frutos. Os luzeiros de sóis e luas esplendiam em cima. E vieram os animais. E veio a mulher e veio o homem. E Jeová então instalou o primeiro casal num jardim de delícias. O Senhor tinha ali formado um pomar de grandes árvores formosas, carregadas de frutos de bom sabor. O clima era tão bom e ameno que Adão estava nu, assim como a sua companheira. Tão ameno que a Bíblia não fala em pernilongos, nem em borrachudos, nem em mosquitos da dengue, nem em muriçocas. Podia-se comer, beber, divertir-se, sem antes mover um dedo para conseguir tudo isso. Adão e Eva abriam grandes bocas, bocejando, espreguiçavam-se como os gatos, enfastiados. Que sem graceza esse jardim das delícias! Drumond diria o mesmo do seu Éden, em Itabira do Mato Dentro, onde, como afirmava o letrista de uma canção: Eu era feliz e não sabia. Mas o Poeta Maior exclamava entediado: Que vida besta, meu Deus!

Quanto a Adão e Eva, o Pai não tinha se lembrado de lhes dar trabalho, esse remédio sublime contra a depressão e outras misérias. São Paulo (o santo), corrigiria a omissão, muito mais tarde, pontificando a sua maneira radical: Aquele que não trabalha, que não coma!

Do Éden restou a saudade. Do sonho de voltar ao Éden contam os nossos anseios. Ter de tudo sem trabalhar, um sonho eterno um raio vívido, de amor e de esperança. Oh! Sonho realizado apenas pelos eleitos! Tudo de graça! E por vida e obra de leis fazendárias e suntuárias, cai o maná do céu e chovem as codornizes. 

Observando as nossas casas de lei, chegamos à conclusão de que lá estão, realmente, inconfundíveis, os nossos representantes legais e naturais. Por esse espelho, concluímos que quanto menos trabalhamos, menos queremos trabalhar. Que nos dêem muitas férias, muitos aumentos, e pouco trabalho. 

Daí, surpreendeu-me um clarão de entendimento. Ah! descobri porque a Adão e Eva não lhes bastou o paraíso:

Se chovia maná, eles tinham que o recolher. Havia frutas? Sim, havia e muitas até, de variados sabores, que desaforada fartura! Mas teriam que ser apanhadas. Choviam codornizes? Isso choviam mesmo. Mas vivas. Mas com tripas e penas. 

Ah! Senhor! Por quê não completastes a dádiva, fazendo choverem as codornizes assadas? 

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