quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Quando entrei pela primeira vez no laboratório de fotografia do meu pai

Júnia Botelho

Quando entrei pela primeira vez no laboratório de fotografia do meu pai, lá pelos idos de 1970, para ajudá-lo, eu! justo eu que morria de medo do escuro! Quantas e quantas vezes temos de enfrentar nossos medos. 

Eu dizia...? Ah! Sim, eu dizia que quando entrei naquele quarto escuro pela primeira vez, não gostei nada nada. Pequeno, apertado, com um cheiro forte dos produtos químicos que meu pai usava.

Eu e meus irmãos éramos seus ajudantes, todo dia um pouquinho de nosso tempo para ajudar meu pai.

Acho que não deveria ser longo este período. Não. Mas quando pequenos todo tempo é sempre muito tempo.

Não gostei, mas era uma aprendizagem, era uma espécie de escola. E quando vamos para a escola não sabemos o que queremos, é necessário experimentar para depois tentar escolher. Meu pai mostrava um caminho para que depois pudéssemos querê-lo. Ou não. Eu entendi isso. Mas não gostei. Assim, de cara, não! 

Dia após dia eu enxergava as mãos muito brancas de meu pai, quase como um espectro, pondo o papel sob uma luz especial. E ficava ainda mais... sei lá como explicar... quando ele começava aquela contagem: cento e um, cento e dois, cento e três, cento e quatro, cento e cinco, cento e seis. Ele confiava no seu ritmo para contar os segundos. E eu sentia aquele ritmo dentro de mim, meu coraçãozinho acompanhava aquele compasso e fazia tum (101), tum (102), tum (103), tum (104), tum (105), tum (106) também.

Aquelas mãos muito brancas, o fantasma, passavam o papel para uma bacia com uma solução química especial.

O meu trabalho era passá-lo de uma bacia para outra. Primeiro a do revelador, a imagem se formando pouco a pouco, o preto tingindo o branco de paisagens, de rostos, de festas! Eu ficava tão maravilhada que quase exagerava no tempo de imersão. Então uma voz, a de meu pai, me acordava e eu rapidamente pegava a pinça para passar aquele papel para o fixador.

Sou negra como minha mãe, não se via a mãozinha negra no escuro, então parecia que o papel e a pinça iam sozinhos para a outra bacia. Aí já não tinha mais graça, era só ficar mexendo os papéis, nada mais acontecia. E depois levá-los para a pia do banheiro, uma espécie de tanque, sabe? que meu pai fez especialmente para lavar suas fotos.

Água escorria dali dia e noite; então um sapo veio morar no nosso banheiro, embaixo da pia, gostava do friozinho que fazia ali, decerto. Das primeiras vezes o enxotávamos. De sapo eu não tenho medo não. Só do escuro. Ele voltava sempre; deixamos que ficasse. Morou muitos anos ali. Hoje eu penso que talvez ele fosse um príncipe e estivesse apaixonado por nós. Mas nunca pensei em beijá-lo. Credo! eu, hein?

Inventaram a fotografia colorida, mas meu pai nunca produziu uma em seu laboratório. Só compensaria financeiramente se fossem feitas em larga escala. Ele era, digamos, um microempresário, não valia a pena. Mas continuou fazendo fotos.

Eu nunca mais precisei enfrentar esse tipo de escuro. E eu nunca mais vi as mãos mágicas revelando mundos.

Em 2012 as câmeras são automáticas, regulam foco, exposição de luz, velocidade, aproximam ou afastam a imagem, fazem as fotos sozinhas. Eu ainda saio com a pentax que foi do meu pai e olho no visor enquadrando imagens que estão na minha cabeça, composições que eu quero formar. Nem sempre dá certo, é experiência de tentativa e erro, mas e daí? Quando eu acerto posso de novo ouvir a voz dentro do quarto escuro, no ritmo do cento e um e cento e tantos dizendo: é isso daí, minha filha!

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