sexta-feira, 31 de maio de 2013

Mulheres frequentemente


Ruth Guimarães

Um problema dos mais graves do momento é o do menor desajustado. Não falemos de menor perdido na rua, que esse é o extremo, nem de miséria, nem de lições perigosas da rua. Mas falemos sim desses que tem pai e mãe e é como se não tivessem. Desses que tem quem os visita e os calce e lhes pague bons colégios e estão psiquicamente ao desamparo e dão em delinquentes, em irresponsáveis, em dispersivos, dão em nada, num desperdício que dá pena.

Não amigos, não é a hora de “rechercher la femme”.

A paixão ainda não fez a sua primeira ceifa. Parece que a causa primaria do problema e que tende a se agravar com as angustias da hora que passa, a causa-origem, a causa-essencial, digo, é o abandono do lar pela mulher que trabalha.

A grande maioria dos jovens desencaminhados é de mocinhos que não são material, econômica e socialmente desamparados. São moços que têm família, moços aos quais não falta o teto sobre a cabeça, como aqui. 

Não se culpe evidentemente a liberdade da mulher, do viver. Muitas conseguem somar filhos e carreira, mas a velocidade continua cada vez maior, os desajustes se sobrepõem, não sabemos, ninguém sabe o que fazer. Faltam mães, e dizendo mães simplesmente está dito tudo, pois se subentende que é a mulher compenetrada de seu difícil dever: de orientadora, de educadora, de vigilante permanente do lar, e não mãedoano, e outras bobagens do mesmo feitio.

No entanto, como fazer voltar ao aprisco, a ovelha que experimentou o gosto de ser livre? Como fazer o relógio da civilização desandar o seu inexorável ponteiro, mesmo que a falência dessa mesma civilização seja o preço da caminhada para a frente, nessa direção?

Vamos supor, por um minuto de sonho, que neste Brasil que não está civilizado demais, tudo voltasse a ser. Tudo se desfizesse. Tudo regredisse. Que a mulher chegasse a gostar de ficar apagadamente em casa, e não quisesse por amor aos filhos participar da intensa vida. Que voltasse aos tachos de goiabada e aos vestidos compridos, sem decote, e ao sistema de se deitar às 7 horas, depois de um exaustivo dia de trabalho caseiro, e de levantar-se às cinco, mal começassem as galinhas a cacarejar no terreiro. E que não quisessem mais ser deputado federal, nem vedete, nem presidente de sindicato, nem funcionárias de letra O, nem secretárias-modelo, nem miss-elegante-coisa-nenhuma, porém simplesmente as donas de casa, preocupadas com o jantar do marido e com as crianças.

Pois bem, se as mulheres reconsiderassem, poderiam voltar? Poderiam desandar, mesmo que quisessem, o imenso trecho caminhado? Com a vida como esta, poderia o homem sozinho dar conta dos encargos e do sustento da casa? Falamos naturalmente do homem médio, do professor , do funcionário barnabé, do comerciário. E que dizer do proletariado? 

E enquanto isso, as crianças continuam mentindo ao seu destino.

Mas há outra pergunta mais grave. A mulher artista, que sente em si mesma imperiosamente o chamado da arte, essa terá que renunciar a sua vida de mulher e viver a de artista, ou poderá conciliar as duas?

A mulher-artista não poderá jamais falar em voltar, senão que estará falando em fracassar, em desistir, em renunciar e estará também, como a criança abandonada, mentindo ao seu próprio destino.

Mulheres que seguem uma carreira jamais falam em voltar ou desistir.



Que preço pagarão, por estarem afinal, mentindo também a um destino que deveria ser de todas?

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