Ruth Guimarães
Mãe Preta, cantada pelos poetas,
trouxe para a formação da sociedade brasileira, com o seu leite de luar, o laço
amorável dos braços e a doçura do coração.
E porque Mãe Preta foi acima de tudo amor, a forma perfeita da compreensão,
quem dela se lembra esquece-lhe o pigmento escuro, a humildade da condição de
escrava – e portanto de coisa, de objeto de uso, de animal doméstico –
esquece-lhe a ignorância, a origem obscura, o ser aplastrada, resignada,
sofredora, relegada à última escala da dignidade humana, para simplesmente
amá-la. E tudo está dito.
Que melhor reconhecimento
encontraríamos do que esse?
Em conseqüência dos ócios de Sinhá,
que se abanava calorentamente em sua rede, as crianças de casa ficavam aos
cuidados da ama de leite e de outras escravas de bons sentimentos. E foi assim, que, no escurão da senzala
brotou a flor mais bela que poderia surgir de semelhante esterqueira: Mãe
Preta, representando o amor fraterno, no que ele tem de mais puro, de mais
desinteressado, de redentor e de santo: o sacrifício sem limites e a dedicação
sem recompensa.
Esse amor, esse dar-se, esse
enternecer-se, esse abrandar-se trouxeram conseqüências imprevistas.
Suavizou-se a língua, suavizaram-se os costumes, suavizou-se o caráter daqueles
férreos homens de antanho, duros e inflexíveis, feitos de pedra e aço e
impiedade. Do contato do menino da Casa-Grande com a negra mãe-preta da
senzala, tornada mucama, a intimidade foi-se estabelecendo em bases suaves. E nunca mais sinhô que teve mãe preta sentiu
ojeriza de negro, do bodum de negro, da beiçola do negro, da cara feia e chata
do negro, do cabelo encarapinhado do negro.
À Mãe Preta aludiram com ternura,
depois de adultos, depois de famosos, homens duros como José Bonifácio,
combativos como Sílvio Romero, homens da estatura de um Joaquim Nabuco.
Dela se falou sempre com acentos do
mais comovido reconhecimento.
Cadê Mãe Preta? Acabou-se. Mergulhou
no passado, onde guardava no aconchego dos braços o ioiozinho, inocente dos
crimes que contra os dela perpetrava a frio a outra raça.
E agora? E agora, José?
É claro que encontramos nesta vida de
hoje sucedâneos para a mãe preta, até que muito mais higiênicos, mais bonitos. Mais
em conformidade com a vida moderna.
Temos uma série de enganos preparados para todas as idades, de doze anos
para baixo. As mães naturais, ditas
biológicas, não precisam se preocupar e nem lamentar a ausência de possíveis
mães pretas. Quem se acaba não faz falta, porque quem fica se arranja.
É só usar a mamadeira estilizada. A
chupeta, para a criança chupar o vento.
Depois a pré-escola. E junto com
a pré-escola, para completar o horário, a aulinha de natação, o balé, o
cursinho de inglês. E mais tarde a
inefável amansa criança: a Televisão que ensina tanta coisa antes do tempo.
Pra quê Mãe Preta?
Pra quê Mãe Preta de qualquer
qualidade e de qualquer cor?
Acontece que qualquer tipo de mãe
também está em extinção.
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