sexta-feira, 26 de abril de 2013

Mães em extinção


Ruth Guimarães


Mãe Preta, cantada pelos poetas, trouxe para a formação da sociedade brasileira, com o seu leite de luar, o laço amorável dos braços e a doçura do coração.  E porque Mãe Preta foi acima de tudo amor, a forma perfeita da compreensão, quem dela se lembra esquece-lhe o pigmento escuro, a humildade da condição de escrava – e portanto de coisa, de objeto de uso, de animal doméstico – esquece-lhe a ignorância, a origem obscura, o ser aplastrada, resignada, sofredora, relegada à última escala da dignidade humana, para simplesmente amá-la.  E tudo está dito.

Que melhor reconhecimento encontraríamos do que esse?

Em conseqüência dos ócios de Sinhá, que se abanava calorentamente em sua rede, as crianças de casa ficavam aos cuidados da ama de leite e de outras escravas de bons sentimentos.  E foi assim, que, no escurão da senzala brotou a flor mais bela que poderia surgir de semelhante esterqueira: Mãe Preta, representando o amor fraterno, no que ele tem de mais puro, de mais desinteressado, de redentor e de santo: o sacrifício sem limites e a dedicação sem recompensa.

Esse amor, esse dar-se, esse enternecer-se, esse abrandar-se trouxeram conseqüências imprevistas. Suavizou-se a língua, suavizaram-se os costumes, suavizou-se o caráter daqueles férreos homens de antanho, duros e inflexíveis, feitos de pedra e aço e impiedade. Do contato do menino da Casa-Grande com a negra mãe-preta da senzala, tornada mucama, a intimidade foi-se estabelecendo em bases suaves.  E nunca mais sinhô que teve mãe preta sentiu ojeriza de negro, do bodum de negro, da beiçola do negro, da cara feia e chata do negro, do cabelo encarapinhado do negro.

À Mãe Preta aludiram com ternura, depois de adultos, depois de famosos, homens duros como José Bonifácio, combativos como Sílvio Romero, homens da estatura de um Joaquim Nabuco.

Dela se falou sempre com acentos do mais comovido reconhecimento.
Cadê Mãe Preta? Acabou-se. Mergulhou no passado, onde guardava no aconchego dos braços o ioiozinho, inocente dos crimes que contra os dela perpetrava a frio a outra raça.

E agora? E agora, José?

É claro que encontramos nesta vida de hoje sucedâneos para a mãe preta, até que muito mais higiênicos, mais bonitos. Mais em conformidade com a vida moderna.  Temos uma série de enganos preparados para todas as idades, de doze anos para baixo.  As mães naturais, ditas biológicas, não precisam se preocupar e nem lamentar a ausência de possíveis mães pretas. Quem se acaba não faz falta, porque quem fica se arranja.

É só usar a mamadeira estilizada. A chupeta, para a criança chupar o vento.  Depois a pré-escola.  E junto com a pré-escola, para completar o horário, a aulinha de natação, o balé, o cursinho de inglês.  E mais tarde a inefável amansa criança: a Televisão que ensina tanta coisa antes do tempo.

Pra quê Mãe Preta?

Pra quê Mãe Preta de qualquer qualidade e de qualquer cor?

Acontece que qualquer tipo de mãe também está em extinção.

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